Evocando uma atmosfera entre o imaginoso e o palpável, o poeta anglo-australiano nos descreve sutis sons noturnos que chegam aos ouvidos do narrador – decerto uma criança à altura dos fatos –, em contraste com a escuridão que a tudo permeia, a albergar tanto o desconhecido que se relaciona ao meio natural, quanto o que cala fundo na alma humana.
Os detalhes sensoriais relatados sugerem algo como uma espécie de sonambulismo do falante ou uma atração inconsciente pelo mistério, mesmo que atravessado por alguma inquietude ou perigo latente: os ruídos dos galhos farfalhando e dos juncos a se vergarem, sem a presença de ventos que os justifiquem, acentuam a sensação de uma presença sobrenatural e inexplicável, vale dizer, a do aludido “anjo da escuridão” do título, tal como fantasiado pela criança.
J.A.R. – H.C.
Kevin Hart
(n. 1954)
Dark Angel
It was the sound of
darkness, mother said,
But still I heard you
calling in the night.
It was our old
poinciana, straight from hell,
Its full-moon perfume
wafting through the house...
Or fine mosquitoes,
rising from the river
Just coiling in the
dark there, down the road;
It was that sound, of
water and the trees,
That somehow found a
way into my sleep.
At night, between
poinciana and the river,
Something of me
walked round and round and round
Near that black water
with its snags and snakes
And long low sounds
that keep the grass alive,
And you were there as
well, a touch away,
Always about to pull
the darkness back,
And there were always
branches rustling hard
And tall reeds
bending. Never any wind.
Poinciana Real
(Lisa Rose: pintora
norte-americana)
Anjo da Escuridão
Nada mais que o som
da escuridão, dizia mamãe,
Mas mesmo assim te ouvia
a chamar na noite.
Era o nosso velho flamboyant,
diretamente do inferno,
Seu perfume de lua
cheia a se espalhar pela casa.
Ou seriam finos
mosquitos que surgem do rio e,
Amiúde, enxameiam ali
no escuro, ao longo da estrada;
Aquele bulício, de
água e de árvores,
De algum modo logrou
ingressar em meu sono.
À noite, entre o
flamboyant e o rio,
Algo de mim vagueava em
sucessivos círculos,
Perto daquela água
negra com seus troncos e serpes
E sons longos e
graves, provedores de vida ao gramado.
E tu também lá
estavas, a um toque de distância,
Sempre a ponto de
fazeres retroceder a escuridão,
E sempre havia galhos
que farfalhavam com força
E juncos altos que se
vergavam. Sem vento algum.
Referência:
HART, Kevin. Dark
angel. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal
times. Selection, introduction and notes copyright by Neil Astley. 1st publ. Tarset
(Northumberland, EN): Bloodaxe Books, 2002. p. 47.
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário