Eis aqui um outro poema
a retratar a natureza hostil como metáfora para os ciclos inevitáveis da
existência humana, em meio a uma sensação de desesperança e até de aspereza,
num contexto de celebração de Ano-Novo: a sequência dos versos alberga a tese
de que de nada adianta afastar-se do mundo ou postergar decisões para escapar à
realidade nua e crua, tantas vezes orientada pela apatia e pelo distanciamento.
Lowell questiona o ideal de amor ao próximo e de esperança frente ao futuro, pois lhe parece que há uma espécie de crueldade natural a reforçar a percepção de um mundo infenso e implacável, ou talvez melhor, de um irresistível desassossego que nem mesmo a fé seria capaz de contornar, haja vista o tom empregado pelo poeta, a sugerir descrença nos remédios propostos pelas instituições sacras, quase sempre assentes numa devoção em que prevalece a ideia de purgação pela privação e pelo sofrimento.
J.A.R. – H.C.
(1917-1977)
Again and then again... the year is born
To ice and death, and it will never do
To skulk behind storm-windows by the stove
To hear the postgirl sounding her French horn
When the thin tidal ice is wearing through.
Here is the understanding not to love
Our neighbor, or tomorrow that will sieve
Our resolutions. While we live, we live
To snuff the smoke of victims. In the snow
The kitten heaved its hindlegs, as if fouled,
And died. We bent it in a Christmas box
And scattered blazing weeds to scare the crow
Until the snake-tailed sea-winds coughed and howled
For alms outside the church whose double locks
Wait for St. Peter, the distorted key.
Under St. Peter’s bell the parish sea
Swells with its smelt into the burlap shack
Where Joseph plucks his hand-lines like a harp,
And hears the fearful Puer natus est
Of Circumcision, and relives the wrack
And howls of Jesus whom he holds. How sharp
The burden of the Law before the beast:
Time and the grindstone and the knife of God.
The Child is born in blood, O child of blood.
Dia de Ano-Novo
(Peter Szumowski: artista
inglês)
Dia de Ano-Novo
E então repetidamente...
nasce o ano
Para o regelo e a morte,
e de nada servirá
Esconder-se por trás
de janelas antitormentas, junto ao fogão,
Para ouvir a moça dos
correios a tocar a sua trompa francesa,
Quando a fina crosta
de gelo das marés se está desgastando.
Eis aqui o entendimento
para que não amemos
O nosso vizinho, ou amanhã
isso há de filtrar
As nossas resoluções.
Enquanto vivemos, vivemos
Para inalar a fumaça
das vítimas. Sobre a neve,
Um gatinho agitou as
suas patas traseiras, como se enlameado,
E morreu. Dobramo-lo numa
caixa de Natal
E espalhamos ervas
daninhas em chamas para assustar o corvo,
Até que os ventos
marinhos com cauda de serpente tossissem
e uivassem
Por esmolas à porta
da igreja, cujas fechaduras duplas
Aguardam por São
Pedro, a chave distorcida.
Sob o sino de São
Pedro, o mar da freguesia
Entufa-se com seu eperlano
para dentro da choça de aniagem,
Onde José pinça suas linhadas
de mão como uma harpa,
E ouve o temível Puer
natus est
Da Circuncisão,
revivendo a exasperação
E os uivos de Jesus,
a quem segura. Quão agudo
É o fardo da Lei
diante da besta:
O tempo e a mó e a
lâmina de Deus.
A Criança nasce em
sangue, Ó filho do sangue.
Referência:
LOWELL, Robert. New year’s day. In: __________. Lord Weary’s Castle & The Mills of the Kavanaughs. New York, NY: Harcourt, Brace & World, 1974. p. 13. (‘A Harvest Book’)
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