Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Robert Lowell - Dia de Ano-Novo

Eis aqui um outro poema a retratar a natureza hostil como metáfora para os ciclos inevitáveis da existência humana, em meio a uma sensação de desesperança e até de aspereza, num contexto de celebração de Ano-Novo: a sequência dos versos alberga a tese de que de nada adianta afastar-se do mundo ou postergar decisões para escapar à realidade nua e crua, tantas vezes orientada pela apatia e pelo distanciamento.

 

Lowell questiona o ideal de amor ao próximo e de esperança frente ao futuro, pois lhe parece que há uma espécie de crueldade natural a reforçar a percepção de um mundo infenso e implacável, ou talvez melhor, de um irresistível desassossego que nem mesmo a fé seria capaz de contornar, haja vista o tom empregado pelo poeta, a sugerir descrença nos remédios propostos pelas instituições sacras, quase sempre assentes numa devoção em que prevalece a ideia de purgação pela privação e pelo sofrimento.

 

J.A.R. – H.C.

 

Robert Lowell

(1917-1977)

 

New Year’s Day

 

Again and then again... the year is born

To ice and death, and it will never do

To skulk behind storm-windows by the stove

To hear the postgirl sounding her French horn

When the thin tidal ice is wearing through.

Here is the understanding not to love

Our neighbor, or tomorrow that will sieve

Our resolutions. While we live, we live

 

To snuff the smoke of victims. In the snow

The kitten heaved its hindlegs, as if fouled,

And died. We bent it in a Christmas box

And scattered blazing weeds to scare the crow

Until the snake-tailed sea-winds coughed and howled

For alms outside the church whose double locks

Wait for St. Peter, the distorted key.

Under St. Peter’s bell the parish sea

 

Swells with its smelt into the burlap shack

Where Joseph plucks his hand-lines like a harp,

And hears the fearful Puer natus est

Of Circumcision, and relives the wrack

And howls of Jesus whom he holds. How sharp

The burden of the Law before the beast:

Time and the grindstone and the knife of God.

The Child is born in blood, O child of blood.

 

Dia de Ano-Novo

(Peter Szumowski: artista inglês)

 

Dia de Ano-Novo

 

E então repetidamente... nasce o ano

Para o regelo e a morte, e de nada servirá

Esconder-se por trás de janelas antitormentas, junto ao fogão,

Para ouvir a moça dos correios a tocar a sua trompa francesa,

Quando a fina crosta de gelo das marés se está desgastando.

Eis aqui o entendimento para que não amemos

O nosso vizinho, ou amanhã isso há de filtrar

As nossas resoluções. Enquanto vivemos, vivemos

 

Para inalar a fumaça das vítimas. Sobre a neve,

Um gatinho agitou as suas patas traseiras, como se enlameado,

E morreu. Dobramo-lo numa caixa de Natal

E espalhamos ervas daninhas em chamas para assustar o corvo,

Até que os ventos marinhos com cauda de serpente tossissem

e uivassem

Por esmolas à porta da igreja, cujas fechaduras duplas

Aguardam por São Pedro, a chave distorcida.

Sob o sino de São Pedro, o mar da freguesia

 

Entufa-se com seu eperlano para dentro da choça de aniagem,

Onde José pinça suas linhadas de mão como uma harpa,

E ouve o temível Puer natus est

Da Circuncisão, revivendo a exasperação

E os uivos de Jesus, a quem segura. Quão agudo

É o fardo da Lei diante da besta:

O tempo e a mó e a lâmina de Deus.

A Criança nasce em sangue, Ó filho do sangue.

 

Referência:

 

LOWELL, Robert. New year’s day. In: __________. Lord Weary’s Castle & The Mills of the Kavanaughs. New York, NY: Harcourt, Brace & World, 1974. p. 13. (‘A Harvest Book’)

 

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