Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Hart Crane - Chaplinesque

A vida, segundo o falante, seria um vale de lágrimas no qual pequenas são as consolações, confrangidas ademais pela insuficiência e imprevisibilidade ante as contingências do destino, estas muitas vezes carregadas de surpresas para os olhos improficientes. Mas como um termômetro que nos permite avaliar as fráguas em que imersos, resta-nos o coração para vislumbrarmos a beleza que se oculta nos desenlaces do quotidiano.

 

A empatia e a compaixão devem seguir a par com nossa disposição de abarcar as tribulações do mundo num plano de resiliência, para que possamos – como Chaplin, em suas representações a um só tempo pungentes e engraçadas –, apreender o lado mais humano e jocoso em cada contexto, mantendo acesa a chama da esperança e nossa capacidade de amar e de resistir.

 

J.A.R. – H.C.

 

Hart Crane

(1899-1932)

 

Chaplinesque (*)

 

We make our meek adjustments,

Contented with such random consolations

As the wind deposits

In slithered and too ample pockets.

 

For we can still love the world, who find

A famished kitten on the step, and know

Recesses for it from the fury of the street,

Or warm tom elbow coverts.

 

We will sidestep, and to the final smirk

Dally the doom of that inevitable thumb

That slowly chafes its puckered index toward us,

Facing the dull squint with what innocence

And what surprise!

 

And yet these fine collapses are not lies

More than the pirouettes of any pliant cane;

Our obsequies are, in a way, no enterprise.

We can evade you, and all else hut the heart:

What blame to us if the heart live on.

 

The game enforces smirks; hut we have seen

The moon in lonely alleys make

A grail of laughter of an empty ash can,

And through all sound of gaiety and quest

Have heard a kitten in the wilderness.

 

In: “The Bridge” (1930)

 

Gato faminto

(Kunal Kalra: artista indiano)

 

Chaplinesque

 

Pacientemente nos adaptamos

Bastam-nos consolações ocasionais

como as que o vento deposita

em vastos bolsos fundos como poços.

 

Pois ainda pode amar o mundo quem

vê um gato faminto à porta

e o protege da fúria lá de fora

no ângulo do cotovelo roto.

 

Esquivando-nos, adiaremos

até o último esgar a lenta fatalidade

do dedo enrugado que para nós aponta,

sempre encarando o olhar abúlico

com inocência e surpresa.

 

E no entanto esses belos tombos não são mentira,

assim como as piruetas de uma bengala elástica.

Nossas exéquias não são, no fundo, uma empresa.

Podemos escapulir-te, escapulir de tudo

– menos do coração.

Não é culpa nossa. O coração sobrevive.

 

Os esgares fazem parte do jogo. Mas vimos

a lua em alamedas desertas

transformar num graal de risco uma lixeira vazia

e, em meio a tanta algazarra de buscas e alegria,

ouvimos o solitário miar de um gato.

 

Em: “A Ponte” (1930)

 

Folhetim, 02.01.83

 

Nota:

 

(*) Chaplinesco: adjetivo para designar algo característico ou semelhante ao estilo de comédia ou dos filmes de Charlie Chaplin.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

CRANE, Hart. Chaplinesque. In: __________. The collected poems of Hart Crane. Edited with an introduction by Waldo Frank. New York, NY: Liveright Publishing Corporation, jul. 1946. p. 73-74. (‘Black & Gold Edition’)

 

Em Português

 

CRANE, Hart. Chaplinesque. Tradução de João Moura Jr. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 53.

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