Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 26 de janeiro de 2025

Nikki Giovanni - Colchas

O desejo de perdurar, de alguma maneira, depois que a velhice houver tomado o seu posto, permeia o discurso da falante, haja vista a sensação de perda de utilidade e de vitalidade, adjetivada por si própria como um “fracasso”: embora a nostalgia não seja a última palavra do poema, serve ela como contraponto à fragilidade do presente, à perda do vigor físico que, em outros tempos, se exteriorizava em energia desbordante.

 

Com efeito, o que persiste não passa por um mergulho na autopiedade, senão que consiste na tradução de uma sabedoria silenciosa acumulada ao longo do tempo, granjeada por meio do calor e do companheirismo que as relações humanas mais autênticas são capazes de proporcionar, bem assim na certeza de que o que mais importa nesta vida é que deixemos um legado de amor e de conexão.

 

J.A.R. – H.C.

 

Nikki Giovanni

(n. 1943)

 

Quilts

 

(for Sally Sellers)

 

Like a fading piece of cloth

I am a failure

 

No longer do I cover tables filled with food and laughter

My seams are frayed my hems falling my strength

no longer able

To hold the hot and cold

 

I wish for those first days

When just woven I could keep water

From seeping through

Repelled stains with the tightness of my weave

Dazzled the sunlight with my

Reflection

 

I grow old though pleased with my memories

The tasks I can no longer complete

Are balanced by the love of the tasks gone past

 

I offer no apology only

This plea:

 

When I am frayed and stained and drizzled at the end

Please someone cut a square and put me in a quilt

That I might keep some child warm

 

And some old person with no one else to talk to

Will hear my whispers

 

And cuddle

Near

 

Mesa posta num jardim

(Pierre Bonnard: pintor francês)

 

Colchas

 

(para Sally Sellers) (*)

 

Como um pedaço de pano que se desbota,

sou um fracasso.

 

Já não cubro mesas cheias de comida e de risos.

Minhas costuras estão desgastadas, minhas bainhas

se desfazendo, minhas forças incapazes

de suportar o calor e o frio.

 

Suspiro por aqueles primeiros dias,

quando acabara de a tecer e poderia evitar que a água

por ela se infiltrasse,

repelir as nódoas com a rigidez da minha trama,

ofuscar a luz do sol com o meu

reflexo.

 

Envelheço, ainda que satisfeita com minhas memórias:

as tarefas que já não consigo cumprir

são equilibradas pelo amor às tarefas passadas.

 

Não ofereço desculpas, apenas

este apelo:

 

quando, ao fim, estiver desgastada, enodoada, umedecida,

alguém, por favor, corte um quadrado e me ajuste a uma colcha,

para que eu possa manter alguma criança aquecida,

 

e algum idoso, sem mais ninguém com quem conversar,

possa ouvir os meus sussurros

 

e, junto a mim,

se aconchegar.

 

Nota:

 

(*). Sally Sellers (n. 1951) é uma artesã têxtil norte-americana, radicada no noroeste do país, bastante conhecida pela produção de colchas artísticas que exploram e manipulam uma ampla variedade de cores e formas.

 

Referência:

 

Giovanni, Nikki. Quilts. In: __________. Acolytes. New York, NY: HarperCollins, apr. 2008. p. 30. (‘HarperCollins e-books’)

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