O desejo de perdurar,
de alguma maneira, depois que a velhice houver tomado o seu posto, permeia o
discurso da falante, haja vista a sensação de perda de utilidade e de
vitalidade, adjetivada por si própria como um “fracasso”: embora a nostalgia
não seja a última palavra do poema, serve ela como contraponto à fragilidade do
presente, à perda do vigor físico que, em outros tempos, se exteriorizava em
energia desbordante.
Com efeito, o que
persiste não passa por um mergulho na autopiedade, senão que consiste na
tradução de uma sabedoria silenciosa acumulada ao longo do tempo, granjeada por
meio do calor e do companheirismo que as relações humanas mais autênticas são
capazes de proporcionar, bem assim na certeza de que o que mais importa nesta
vida é que deixemos um legado de amor e de conexão.
J.A.R. – H.C.
Nikki Giovanni
(n. 1943)
(for Sally Sellers)
Like a fading piece of cloth
I am a failure
No longer do I cover tables filled with food and
laughter
My seams are frayed my hems falling my strength
no longer able
To hold the hot and cold
I wish for those first days
When just woven I could keep water
From seeping through
Repelled stains with the tightness of my weave
Dazzled the sunlight with my
Reflection
I grow old though pleased with my memories
The tasks I can no longer complete
Are balanced by the love of the tasks gone past
I offer no apology only
This plea:
When I am frayed and stained and drizzled at the
end
Please someone cut a square and put me in a quilt
That I might keep some child warm
And some old person with no one else to talk to
Will hear my whispers
And cuddle
Near
Mesa posta num jardim
(Pierre Bonnard:
pintor francês)
Colchas
(para Sally Sellers) (*)
Como um pedaço de pano
que se desbota,
sou um fracasso.
Já não cubro mesas
cheias de comida e de risos.
Minhas costuras estão
desgastadas, minhas bainhas
se desfazendo, minhas
forças incapazes
de suportar o calor e
o frio.
Suspiro por aqueles
primeiros dias,
quando acabara de a
tecer e poderia evitar que a água
por ela se
infiltrasse,
repelir as nódoas com
a rigidez da minha trama,
ofuscar a luz do sol
com o meu
reflexo.
Envelheço, ainda que
satisfeita com minhas memórias:
as tarefas que já não
consigo cumprir
são equilibradas pelo
amor às tarefas passadas.
Não ofereço
desculpas, apenas
este apelo:
quando, ao fim,
estiver desgastada, enodoada, umedecida,
alguém, por favor,
corte um quadrado e me ajuste a uma colcha,
para que eu possa
manter alguma criança aquecida,
e algum idoso, sem
mais ninguém com quem conversar,
possa ouvir os meus
sussurros
e, junto a mim,
se aconchegar.
Nota:
(*). Sally Sellers
(n. 1951) é uma artesã têxtil norte-americana, radicada no noroeste do país,
bastante conhecida pela produção de colchas artísticas que exploram e manipulam
uma ampla variedade de cores e formas.
Referência:
Giovanni, Nikki.
Quilts. In: __________. Acolytes. New York, NY: HarperCollins, apr.
2008. p. 30. (‘HarperCollins e-books’)
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