Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Keith Douglas - Como Matar

O poeta inglês – morto durante combates na SGM – emprega a metáfora de uma bola para explorar a transição do falante da inocência à violência da experiência militar, bem assim à consciência de que, num conflito bélico, a regra do jogo se pauta por um desapiedado “matar ou morrer”, de forma a configurar uma curva parabólica de ascensão e queda, como o ciclo da vida e da morte.

 

Dos dois lados da mira de uma metralhadora há mais que soldados, pois que seres humanos movidos por emoções algo distintas do furor insano, expondo a ambiguidade moral e a dissonância interna por trás das hostilidades, as quais, com frequência, representam forças mais além de seus respectivos arbítrios: sorrisos e gestos familiares, com evocações à figura materna, são o toque remanescente de humanidade sob a aparência de torpor.

 

Diante desse quadro macabro, descreve-se a guerra como uma espécie de feitiçaria tenebrosa, em que um dado soldado se converte num agente da morte, capaz de pulverizar os sentimentos de fraternidade com um simples gesto, num único disparo: perceba-se a ironia na expressão “condenado como estou, divirto-me”, a refletir a terrível fascinação que a violência pode desencadear, mesmo naqueles que, por princípio, rejeitam-na.

 

J.A.R. – H.C.

 

Keith Douglas

(1920-1944)

 

How to Kill

 

Under the parabola of a ball,

a child turning into a man,

I looked into the air too long.

The ball fell in my hand, it sang

in the closed fist: Open Open

Behold a gift designed to kill.

 

Now in my dial of glass appears

the soldier who is going to die.

He smiles, and moves about in ways

his mother knows, habits of his.

The wires touch his face: I cry

NOW. Death, like a familiar, hears

 

and look, has made a man of dust

of a man of flesh. This sorcery

I do. Being damned, I am amused

to see the centre of love diffused

and the wave of love travel into vacancy.

How easy it is to make a ghost.

 

The weightless mosquito touches

her tiny shadow on the stone,

and with how like, how infinite

a lightness, man and shadow meet.

They fuse. A shadow is a man

when the mosquito death approaches.

 

Túnez – El Cairo, 1943

 

Réquiem pela Guerra

(Hans G. Burkhardt: artista suíço-americano)

 

Como Matar

 

Sob a parábola de uma bola,

uma criança a tornar-se homem,

estive a mirar o ar por tempo demais.

A bola, ao cair em minha mão, cantarolou

no punho fechado: Abra, abra,

eis aqui um presente projetado para matar.

 

Agora, em minha objetiva de vidro, desponta

o soldado que está prestes a morrer.

Sorri e se move de um modo bastante familiar

para sua mãe, com hábitos tão seus.

As retículas da mira tocam-lhe o rosto: e eu grito

AGORA. A morte, como se um familiar fosse,

 

a tudo observa e escuta, convertendo em pó

um homem de carne. Esse sortilégio engendro-o

por conta própria. Condenado como estou,

folgo em ver o centro do amor dispersar-se

e a sua onda vagar até o núcleo do vazio.

Quão simples é gerar um fantasma.

 

O mosquito ingrávido toca

a sua diminuta sombra sobre a pedra,

e com que semelhança, com que infinita

leveza, o homem e a sombra se encontram.

Logo se fundem. Uma sombra é um homem

quando o mosquito da morte se aproxima.

 

Túnez – El Cairo, 1943

 

Referência:

 

DOUGLAS, Keith. How to kill. In: SCHMIDT, Michael (Ed.). The Harvill Book of Twentieth-Century Poetry in English. London, EN: The Harvill Press, 2003. p. 366.

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