O poeta inglês –
morto durante combates na SGM – emprega a metáfora de uma bola para explorar a
transição do falante da inocência à violência da experiência militar, bem assim
à consciência de que, num conflito bélico, a regra do jogo se pauta por um desapiedado
“matar ou morrer”, de forma a configurar uma curva parabólica de ascensão e
queda, como o ciclo da vida e da morte.
Dos dois lados da
mira de uma metralhadora há mais que soldados, pois que seres humanos movidos
por emoções algo distintas do furor insano, expondo a ambiguidade moral e a
dissonância interna por trás das hostilidades, as quais, com frequência,
representam forças mais além de seus respectivos arbítrios: sorrisos e gestos
familiares, com evocações à figura materna, são o toque remanescente de
humanidade sob a aparência de torpor.
Diante desse quadro
macabro, descreve-se a guerra como uma espécie de feitiçaria tenebrosa, em que
um dado soldado se converte num agente da morte, capaz de pulverizar os
sentimentos de fraternidade com um simples gesto, num único disparo: perceba-se
a ironia na expressão “condenado como estou, divirto-me”, a refletir a terrível
fascinação que a violência pode desencadear, mesmo naqueles que, por princípio, rejeitam-na.
J.A.R. – H.C.
Keith Douglas
(1920-1944)
Under the parabola of a ball,
a child turning into a man,
I looked into the air too long.
The ball fell in my hand, it sang
in the closed fist: Open Open
Behold a gift designed to kill.
Now in my dial of glass appears
the soldier who is going to die.
He smiles, and moves about in ways
his mother knows, habits of his.
The wires touch his face: I cry
NOW. Death, like a familiar, hears
and look, has made a man of dust
of a man of flesh. This sorcery
I do. Being damned, I am amused
to see the centre of love diffused
and the wave of love travel into vacancy.
How easy it is to make a ghost.
The weightless mosquito touches
her tiny shadow on the stone,
and with how like, how infinite
a lightness, man and shadow meet.
They fuse. A shadow is a man
when the mosquito death approaches.
Túnez – El Cairo,
1943
Réquiem pela Guerra
(Hans G. Burkhardt:
artista suíço-americano)
Como Matar
Sob a parábola de uma
bola,
uma criança a
tornar-se homem,
estive a mirar o ar
por tempo demais.
A bola, ao cair em
minha mão, cantarolou
no punho fechado: Abra,
abra,
eis aqui um presente projetado
para matar.
Agora, em minha objetiva
de vidro, desponta
o soldado que está
prestes a morrer.
Sorri e se move de um
modo bastante familiar
para sua mãe, com
hábitos tão seus.
As retículas da mira
tocam-lhe o rosto: e eu grito
AGORA. A morte, como
se um familiar fosse,
a tudo observa e
escuta, convertendo em pó
um homem de carne. Esse
sortilégio engendro-o
por conta própria. Condenado
como estou,
folgo em ver o centro
do amor dispersar-se
e a sua onda vagar
até o núcleo do vazio.
Quão simples é gerar
um fantasma.
O mosquito ingrávido
toca
a sua diminuta sombra
sobre a pedra,
e com que semelhança,
com que infinita
leveza, o homem e a sombra
se encontram.
Logo se fundem. Uma
sombra é um homem
quando o mosquito da
morte se aproxima.
Túnez – El Cairo,
1943
Referência:
DOUGLAS, Keith. How
to kill. In: SCHMIDT, Michael (Ed.). The Harvill Book of Twentieth-Century
Poetry in English. London, EN: The Harvill Press, 2003. p. 366.
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