Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Wallace Stevens - Anjo Cercado por Paysans

Neste hipotético diálogo entre um campônio e um anjo, tem-se uma instigação às nossas corriqueiras percepções sobre o que seja a realidade, frente ao que se atribui ao plano do transcendental: o anjo representaria a totalidade da existência, a revelar-se tão apenas parcialmente, haja vista as nossas limitadas perspectivas.

 

Ou ainda: a sua aparição não proporciona respostas definitivas às grandes questões da vida, embora se preste a tornar mais aguçada a nossa sensibilidade aos matizes e às incertezas da experiência humana, convertendo-a numa empresa contínua, impulsionada por um anseio de conhecimento que, em última instância, se mostra algo fugaz, elusivo.

 

Encontrar significado no efêmero, no impreciso, até no ambíguo torna-se a missão do homem, uma espécie sempre afeita ao simbólico, a rigor nem sempre traduzível à linguagem. Daí porque o entendimento completo da realidade se nos afigura como uma quimera, ela tantas vezes fluida e evocativa, a tornar precárias quaisquer formas de apreensão da verdade e das leis que presidem o vasto cosmos a nos abarcar.

 

J.A.R. – H.C.

 

Wallace Stevens

(1879-1955)

 

Angel Surrounded by Paysans

 

One of the countrymen:

 

There is

A welcome at the door to which no one comes?

 

The angel:

 

I am the angel of reality,

Seen for a moment standing in the door.

 

I have neither ashen wing nor wear of ore

And live without a tepid aureole,

 

Or stars that follow me, not to attend,

But, of my being and its knowing, part.

 

I am one of you and being one of you

Is being and knowing what I am and know.

 

Yet I am the necessary angel of earth,

Since, in my sight, you see the earth again,

 

Cleared of its stiff and stubborn, man-locked set,

And, in my hearing, you hear its tragic drone

 

Rise liquidly in liquid lingerings,

Like watery words awash; like meanings said

 

By repetitions of half-meanings. Am I not,

Myself, only half of a figure of a sort,

 

A figure half seen, or seen for a moment, a man

Of the mind, an apparition apparelled in

 

Apparels of such lightest look that a tum

Of my shoulder and quickly, too quickly, I am gone?

 

In: “The Auroras of Autumn” (1950)

 

Anjo

(Vyacheslav Shcherbakov: artista bielorrusso)

 

Anjo Cercado por Paysans (*)

 

Um dos campônios:

 

   Há

Boas-vindas à porta pra ninguém?

 

O anjo:

 

Eu sou o anjo da realidade,

Visto por um instante na soleira.

 

Asa de cinza nem traje áureo tenho

E vivo sem nenhuma auréola tépida,

 

Nem estrelas que me seguem, porém

Do meu ser e seu saber, fazem parte.

 

Sou um de vós, e o ser um de vós

É ser e saber o que sou e sei.

 

No entanto, sou o anjo necessário da terra,

Pois, ao me ver, vedes a terra outra vez,

 

Sem seu cenário duro, travado pelos homens,

E, ao me ouvir, ouvis seu trágico bordão

 

A elevar-se leve em olas líquidas,

Como sílabas em líquido enlevo, ou sentidos

 

Ditos em meios sentidos repetidos.

Pois não sou eu senão meia figura,

 

Vulto entrevisto, ou visto por um instante, homem

Mental, aparição aparecida em

 

Vestes tão pouco visíveis que basta virar

O ombro, e mais que depressa desapareço?

 

In: “As Auroras Boreais do Outono” (1950)

 

Nota:

 

(*). Paysans é a grafia de campônios em francês.

 

Referência:

 

STEVENS, Wallace. Angel surrounded by paysans / Anjo cercado por paysans. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. O imperador do sorvete e outros poemas. Seleção, tradução, apresentação e notas de Paulo Henriques Britto. 1. ed. revista e ampliada. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 254 e 256; em português: p. 255 e 257.

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