Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Rafael Alberti - Os anjos mortos

Aparentemente, Alberti descreve como “anjos mortos” os elementos em decomposição de uma fé que se abalou, fendendo as colunas orientadoras de uma existência que se pretendia, de início, em estado de beatitude: coisas deterioradas, inanimadas, abandonadas ou esquecidas formam o rol que se encontra ao redor desses seres frágeis e vulneráveis.

 

São, por conseguinte, entidades que deixaram de existir, rendidos à força do tempo e à tormenta dos dias, mas que seguem presentes na memória dos vivos, ainda a ajustar-se, por cima de paus e de pedras, como um último lastro para se refletir sobre os sentidos da transcendência e da presença do divino, num quotidiano cada vez mais secularizado.

 

J.A.R. – H.C.

 

Rafael Alberti

(1902-1999)

 

Los ángeles muertos

 

Buscad, buscadlos:

en el insomnio de las cañerías olvidadas,

en los cauces interrumpidos por el silencio de las basuras.

No lejos de los charcos incapaces de guardar una nube,

unos ojos perdidos,

una sortija rota

o una estrella pisoteada.

 

Porque yo los he visto:

en esos escombros momentáneos que aparecen en las neblinas.

Porque yo los he tocado:

en el destierro de un ladrillo difunto,

venido a la nada desde una torre o un carro.

Nunca más allá de las chimeneas que se derrumban,

ni de esas hojas tenaces que se estampan en los zapatos.

 

En todo esto.

Más en esas astillas vagabundas que se consumen sin fuego,

en esas ausencias hundidas que sufren los muebles desvencijados,

no a mucha distancia de los nombres y signos que se enfrían

en las paredes.

 

Buscad, buscadlos:

debajo de la gota de cera que sepulta la palabra de un libro

o la firma de uno de esos rincones de cartas

que trae rodando el polvo.

Cerca del casco perdido de una botella,

de una suela extraviada en la nieve,

de una navaja de afeitar abandonada al borde de un precipicio.

 

En: “Sobre los ángeles” (1929)

 

Uma criança morta

carregada por anjos aos céus

(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

 

Os anjos mortos

 

Procurai, procurai por eles:

na insônia das tubulações esquecidas,

nos leitos de rios interrompidos pelo silêncio do lixo.

Não longe das poças incapazes de comportar uma nuvem,

uns olhos perdidos,

um anel partido

ou uma estrela pisoteada.

 

Porque eu os vi:

nesses escombros momentâneos que aparecem nas neblinas.

Porque eu os toquei:

no desterro de um tijolo defunto,

vindo ao nada desde uma torre ou uma carroça.

Nunca para além das chaminés em ruínas,

tampouco dessas folhas tenazes que se agarram aos sapatos.

 

Em tudo isto.

Mais nessas lascas errantes que se consomem sem fogo,

nessas ausências oprimentes de que padecem os móveis decrépitos,

não a muita distância dos nomes e símbolos que arrefecem

nas paredes.

 

Procurai, procurai por eles:

debaixo da gota de cera que finca a palavra de um livro

ou a assinatura de um desses cantos de cartas

que a poeira traz em torvelinhos.

Perto do casco perdido de uma garrafa,

de uma sola extraviada na neve,

de uma lâmina de barbear abandonada à beira de um precipício.

 

Em: “Sobre os anjos” (1929)

 

Referência:

 

ALBERTI, Rafael. Los ángeles muertos. In: __________. Antología poética. Córdoba, AR: Ediciones del Sur, oct. 2003. p. 84-85.

Nenhum comentário:

Postar um comentário