Aparentemente, Alberti
descreve como “anjos mortos” os elementos em decomposição de uma fé que se
abalou, fendendo as colunas orientadoras de uma existência que se pretendia, de
início, em estado de beatitude: coisas deterioradas, inanimadas, abandonadas ou
esquecidas formam o rol que se encontra ao redor desses seres frágeis e
vulneráveis.
São, por conseguinte,
entidades que deixaram de existir, rendidos à força do tempo e à tormenta dos
dias, mas que seguem presentes na memória dos vivos, ainda a ajustar-se, por cima
de paus e de pedras, como um último lastro para se refletir sobre os sentidos da
transcendência e da presença do divino, num quotidiano cada vez mais
secularizado.
J.A.R. – H.C.
Rafael Alberti
(1902-1999)
Buscad, buscadlos:
en el insomnio de las cañerías olvidadas,
en los cauces interrumpidos por el silencio de las
basuras.
No lejos de los charcos incapaces de guardar una
nube,
unos ojos perdidos,
una sortija rota
o una estrella pisoteada.
Porque yo los he visto:
en esos escombros momentáneos que aparecen en las
neblinas.
Porque yo los he tocado:
en el destierro de un ladrillo difunto,
venido a la nada desde una torre o un carro.
Nunca más allá de las chimeneas que se derrumban,
ni de esas hojas tenaces que se estampan en los
zapatos.
En todo esto.
Más en esas astillas vagabundas que se consumen sin
fuego,
en esas ausencias hundidas que sufren los muebles
desvencijados,
no a mucha distancia de los nombres y signos que se
enfrían
en las paredes.
Buscad, buscadlos:
debajo de la gota de cera que sepulta la palabra de
un libro
o la firma de uno de esos rincones de cartas
que trae rodando el polvo.
Cerca del casco perdido de una botella,
de una suela extraviada en la nieve,
de una navaja de afeitar abandonada al borde de un
precipicio.
En: “Sobre los
ángeles” (1929)
Uma criança morta
carregada por anjos
aos céus
(Peter Paul Rubens:
pintor flamengo)
Os anjos mortos
Procurai, procurai
por eles:
na insônia das tubulações
esquecidas,
nos leitos de rios
interrompidos pelo silêncio do lixo.
Não longe das poças
incapazes de comportar uma nuvem,
uns olhos perdidos,
um anel partido
ou uma estrela
pisoteada.
Porque eu os vi:
nesses escombros
momentâneos que aparecem nas neblinas.
Porque eu os toquei:
no desterro de um
tijolo defunto,
vindo ao nada desde
uma torre ou uma carroça.
Nunca para além das
chaminés em ruínas,
tampouco dessas
folhas tenazes que se agarram aos sapatos.
Em tudo isto.
Mais nessas lascas
errantes que se consomem sem fogo,
nessas ausências oprimentes
de que padecem os móveis decrépitos,
não a muita distância
dos nomes e símbolos que arrefecem
nas paredes.
Procurai, procurai
por eles:
debaixo da gota de
cera que finca a palavra de um livro
ou a assinatura de um
desses cantos de cartas
que a poeira traz em
torvelinhos.
Perto do casco
perdido de uma garrafa,
de uma sola
extraviada na neve,
de uma lâmina de
barbear abandonada à beira de um precipício.
Em: “Sobre os anjos”
(1929)
Referência:
ALBERTI, Rafael. Los
ángeles muertos. In: __________. Antología poética. Córdoba, AR:
Ediciones del Sur, oct. 2003. p. 84-85.
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