Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 19 de janeiro de 2025

Vitorino Nemésio - Casa do Ser

A partir de um mote atribuído a Hölderlin e Heidegger, o poeta explora a relação entre a linguagem e o ser, deixando transparecer os paradoxos, ambiguidades e contradições que tal ideia vem a encerrar, à luz da dualidade que se estabelece entre a linguagem – como casa – e o ser – como algo que se estende para além dela.

 

Como reflexo do ser, a linguagem somente é capaz de lhe servir como um meio de acesso – nomeá-lo ou dar-lhe alguma forma e conteúdo –, sem, no entanto, tocar a plena identidade do ser, pois que, em suas insuficiências, não logra abarcar as suas lindes inefáveis. E mais: a linguagem – com a sua fluidez e capacidade de transcender as limitações físicas e temporais –, ao mesmo tempo que estabelece vínculos, comunicação, pode também obscurecer ou mesmo distorcer a verdade – e aí, então, é possível que estejamos a singrar, em determinados momentos, pelos mares falazes do (auto)engano.

 

J.A.R. – H.C.

 

Vitorino Nemésio

(1901-1978)

 

Casa do Ser

 

A língua é a casa do Ser.

Hölderlin e Heidegger

 

Língua, Casa do Ser que lá não mora,

E, se chama, não está por morador,

Que só em nós o verbo se demora

Como a sombra de sol e eco de amor.

 

Abrigo sim, porém sem tecto, fora

De torre ou porta, os muros no interior:

Assim a Casa essente rompe à aurora

Para se incendiar com o sol-pôr.

 

É a noite o seu rápido alicerce,

Enquanto Casa, que não Ser (aéreo

O que nem isso é, ia eu dizer

 

No hábito verbal que corta cerce

A hastilha do jardim da casa, etéreo

Mensageiro de fogo. Pode ser).

 

Em: “O Verbo e a Morte” (1959)

 

Pintura com centro verde

(Wassily Kandinsky: pintor russo)

 

Referência:

 

NEMÉSIO, Vitorino. A casa do ser. In: __________. O verbo e a morte. Lisboa, PT: Morais Editora, 1959. p. 73. (‘Círculo de Poesia’)

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