A partir de um mote
atribuído a Hölderlin e Heidegger, o poeta explora a relação entre a linguagem
e o ser, deixando transparecer os paradoxos, ambiguidades e contradições que
tal ideia vem a encerrar, à luz da dualidade que se estabelece entre a
linguagem – como casa – e o ser – como algo que se estende para além dela.
Como reflexo do ser,
a linguagem somente é capaz de lhe servir como um meio de acesso – nomeá-lo ou dar-lhe
alguma forma e conteúdo –, sem, no entanto, tocar a plena identidade do ser,
pois que, em suas insuficiências, não logra abarcar as suas lindes inefáveis. E
mais: a linguagem – com a sua fluidez e capacidade de transcender as limitações
físicas e temporais –, ao mesmo tempo que estabelece vínculos, comunicação,
pode também obscurecer ou mesmo distorcer a verdade – e aí, então, é possível que
estejamos a singrar, em determinados momentos, pelos mares falazes do (auto)engano.
J.A.R. – H.C.
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
Casa do Ser
A língua é a casa do
Ser.
Língua, Casa do Ser
que lá não mora,
E, se chama, não está
por morador,
Que só em nós o verbo
se demora
Como a sombra de sol
e eco de amor.
Abrigo sim, porém sem
tecto, fora
De torre ou porta, os
muros no interior:
Assim a Casa essente
rompe à aurora
Para se incendiar com
o sol-pôr.
É a noite o seu
rápido alicerce,
Enquanto Casa, que
não Ser (aéreo
O que nem isso é, ia
eu dizer
No hábito verbal que
corta cerce
A hastilha do jardim
da casa, etéreo
Mensageiro de fogo.
Pode ser).
Em: “O Verbo e a
Morte” (1959)
Pintura com centro
verde
(Wassily Kandinsky: pintor
russo)
Referência:
NEMÉSIO, Vitorino. A
casa do ser. In: __________. O verbo e a morte. Lisboa, PT: Morais
Editora, 1959. p. 73. (‘Círculo de Poesia’)
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