Quer as palavras procuradas
e nunca achadas, quer as que não se consegue dizer a alguém, quer ainda as que emudecem
e as que são desperdiçadas, todas elas abarcam um significado emocional, pois
que representam importantes momento da vida do falante, ou bem no plano pessoal
ou bem no âmbito de seu ofício poético.
Mas há também, é
claro, aquelas palavras que jamais se perderam – seja por “cansaço, inércia ou
acaso” –, remanescentes indeléveis na memória, sem que tenham mudado de significado
ao longo do tempo, depois que se debilitou a força do amor ou do desejo. Em
suma: ainda que fugazes e tantas vezes incapazes de dar conta da totalidade dos
sentimentos e das emoções humanas, as palavras modelam as nossas experiências, permitindo-nos,
para todos os efeitos, atribuir algum sentido à vida.
J.A.R. – H.C.
Manuel António Pina
(1943-2012)
Todas as palavras
As que procurei em
vão,
principalmente as que
estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma
espécie de mágoa
como uma marca de
água impresente;
as que (lembras-te?)
não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de
dizer-me;
as que calei por
serem muito cedo,
e as que calei por serem
muito tarde,
e agora, sem tempo,
me ardem;
as que troquei por
outras (como poderei
esquecê-las
desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos
e
substantivos de que
por um momento foi
feito o mundo
e se foram levando o
mundo.
E também aquelas que
ficaram,
por cansaço, por
inércia, por acaso,
e com quem agora,
como velhos amantes sem
desejo, desfio
memórias,
as minhas últimas
palavras.
Moça com um bandolim
(Pablo Picasso:
pintor espanhol)
Referência:
PINA, Manuel António.
Todas as palavras. In: __________. Todas as palavras: poesia reunida.
Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 2012. p. 281.
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