Neste burlesco poema
da escritora escocesa, mesclam-se elementos religiosos a um contexto
contemporâneo, levando o leitor a refletir acerca da natureza da autoridade e da
mudança social, além dos requisitos considerados imprescindíveis para alguém se
alçar a um posto qualquer de liderança.
Uma vez os reis ausentes,
o povo passou a perceber que tudo transcorreu a contento, atestando a dispensabilidade
da autoridade ou insinuando que a sua presença pode não ter sido tão crucial
quanto se cria: a perda da relevância do poder tradicional, para um povo que
dele já não tem necessidade, encerra, ademais, íntima conexão com a questão da
legitimidade, tanto mais quando de um poder monárquico, por ele não eleito, senão
transmitido por linhas de hereditariedade.
O poema começa e
termina com o mesmo verso – “Para onde vamos a partir daqui? –, reverberando alguma
incerteza quanto ao futuro, quer quanto ao papel dos líderes – não tão claro
para aqueles a quem, supostamente, servem –, quer para as autoridades, haja
vista que questionadas e desafiadas, quer ainda, mais amplamente, para a própria
humanidade, sempre a indagar pelo significado e propósito da vida.
J.A.R. – H.C.
Muriel Spark
(1918-2006)
The Three Kings
Where do we go from
here?
We left our country,
Bore gifts,
Followed a star.
We were questioned.
We answered.
We reached our objective.
We enjoyed the trip.
Then we came back by
a different way.
And now the people
are demonstrating in the streets.
They say they don’t
need the Kings any more.
They did very well in
our absence.
Everything was all
right without us.
They are out on the
streets with placards:
Wise Men? What’s wise
about them?
There are plenty of
Wise Men,
And who needs them? –
and so on.
Perhaps they will be
better off without us,
But where do we go
from here?
A Adoração dos Três
Reis
(Gyula Benczúr:
pintor húngaro)
Os Três Reis
Para onde vamos a
partir daqui?
Deixamos o nosso
país,
Levamos presentes,
Seguimos uma estrela.
Interrogaram-nos.
Respondemos-lhes.
Alcançamos nosso
objetivo.
Desfrutamos a viagem.
Depois voltamos por
um caminho diferente.
E agora as pessoas
estão se manifestando nas ruas.
Afirmam que já não
precisam de Reis.
Eles se saíram muito
bem em nossa ausência.
Tudo fruiu a contento
sem nós.
Estão nas ruas com
cartazes:
Sábios? O que neles
há de sábio?
Existem sábios à
mancheia,
E quem precisa deles?
– e assim por diante.
Talvez continuem
melhor sem nós,
Mas para onde vamos a
partir daqui?
Referência:
SPARK, Muriel. The
three kings. In: KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good poems
for hard times. New York, NY: Penguin Books, 2006. p. 216.
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