Neste soneto com uma topografia
algo iconoclasta, a poetisa portuguesa nos ratifica a sua postura de desapego
frente às convenções sociais e temporais, mostrando relutância em ser definida
pelas modas vigentes ou por outras tendências contemporâneas: sentindo-se assim,
fora de lugar no mundo, apenas se declara confortável sendo ela mesma.
Se desafia as
expectativas convencionais de feminilidade ou faz terra arrasada dos padrões
sociais pré-estabelecidos, pouco se lhe dá: o que lhe importa é manter-se em
sua trilha de honestidade consigo mesma, dando testemunho de sua
autodeterminação, segurança e capacidade de seguir adiante, mesmo a despeito de
eventuais marés infensas que lhe venham de encontro.
J.A.R. – H.C.
Luiza Neto Jorge
(1939-1989)
Minibiografia
Não me quero com o
tempo nem com a moda
Olho como um deus
para tudo de alto
Mas zás! do motor
corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo
errar a coda.
Porque envelheço,
adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto
e amor é foda;
Diferente me concebo
e só do avesso
O formato mulher se
me acomoda
E se nave vier do
fundo espaço
Cedo raptar-me,
assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei
sem medo
À cena do mais árduo
e do mais escasso.
Um poema deixo, ao
retardador:
Meia palavra a bom
entendedor.
Autorretrato
(Marie-Geneviève
Bouliard: artista francesa)
Referência:
JORGE, Luiza Neto.
Minibiografia. In: __________. 19 recantos e outros poemas. Apresentação
de Jorge Fernandes da Silveira. Organização de Jorge Fernandes da Silveira e
Mauricio Matos. Biobibliografia por Gastão Cruz. Rio de Janeiro, RJ: 7Letras,
2008. p. 83.
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