Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Eugenio Montale - Passar à sesta pálido e absorto

Entre lento e pausado, este poema de Montale muito repercute a sensação de torpor e languidez associada ao calor sufocante do meio-dia, quase a concorrer para a enunciação de um desalento perante a vida, cujo fluxo sempre tem algo, ao mesmo tempo, de rotineiro e permeado por forças indomáveis, quando não, reptadoras à apreensão por meio de uma perspectiva racional.

 

Cativo dos belos engenhos da natureza, o poeta, nada obstante, deixa escapar algum lastro de melancolia, como se a existência lhe pesasse ao opor os seus muros com cacos de vidro no topo, alegoria às dificuldades a serem transpostas – como as drummondianas “pedras no meio do caminho” – para se atingir páramos mais elevados de grandiosidade e emancipação.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eugenio Montale

(1896-1981)

 

Meriggiare pallido e assorto

 

Meriggiare pallido e assorto

presso un rovente muro d’orto,

ascoltare tra i pruni e gli sterpi

schiocchi di merli, frusci di serpi.

 

Nelle crepe del suolo o su la veccia

spiar le file di rosse formiche

ch’ora si rompono ed ora s’intrecciano

a sommo di minuscole biche.

 

Osservare tra frondi il palpitare

lontano di scaglie di mare

m entre si levano tremuli scricchi

di cicale dai calvi picchi.

 

E andando nel sole che abbaglia

sentire con triste meraviglia

com’è tutta la vita e il suo travaglio

in questo seguitare una muraglia

che ha in cima cocci aguzzi di bottiglia.

 

Velho adormecido

(David Rijckaert III: pintor flamengo)

 

Passar à sesta pálido e absorto

 

Passar à sesta pálido e absorto

rente dum abrasado muro de horto,

escutar entre sarças e espinhos

cicios de cobra, pio de passarinhos.

 

Nas ervilhas ou em gretas do solo

espiar carreiras de rubras formigas

que ora se separam ora se ligam

ao cruzarem nalgum monte minúsculo.

 

Observar entre frondes o palpitar

distante das escamas do mar

enquanto se eleva o tremor estrídulo

das cigarras nalgum alto escalvado.

 

E andando no sol, encadeado,

sentir como triste maravilha

como é toda a vida e as suas lidas

neste acompanhar uma muralha

que em cima tem cacos de garrafas partidas.

 

Referência:

 

MONTALE, Eugenio. Meriggiare pallido e assorto / Passar à sesta pálido e absorto. Tradução de Renato Xavier. In: __________. Ossos de sépia: 1920-1927. Prefácio, tradução e notas de Renato Xavier. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2011. Em italiano: p. 66; em português: p. 67. (Coleção ‘Prêmio Nobel’)

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