Entre lento e pausado,
este poema de Montale muito repercute a sensação de torpor e languidez associada
ao calor sufocante do meio-dia, quase a concorrer para a enunciação de um desalento
perante a vida, cujo fluxo sempre tem algo, ao mesmo tempo, de rotineiro e
permeado por forças indomáveis, quando não, reptadoras à apreensão por meio de
uma perspectiva racional.
Cativo dos belos engenhos
da natureza, o poeta, nada obstante, deixa escapar algum lastro de melancolia,
como se a existência lhe pesasse ao opor os seus muros com cacos de vidro no
topo, alegoria às dificuldades a serem transpostas – como as drummondianas “pedras
no meio do caminho” – para se atingir páramos mais elevados de grandiosidade e emancipação.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
Meriggiare pallido e
assorto
Meriggiare pallido e
assorto
presso un rovente
muro d’orto,
ascoltare tra i pruni
e gli sterpi
schiocchi di merli,
frusci di serpi.
Nelle crepe del suolo
o su la veccia
spiar le file di
rosse formiche
ch’ora si rompono ed
ora s’intrecciano
a sommo di minuscole
biche.
Osservare tra frondi
il palpitare
lontano di scaglie di
mare
m entre si levano
tremuli scricchi
di cicale dai calvi
picchi.
E andando nel sole
che abbaglia
sentire con triste
meraviglia
com’è tutta la vita e
il suo travaglio
in questo seguitare
una muraglia
che ha in cima cocci
aguzzi di bottiglia.
Velho adormecido
(David Rijckaert III:
pintor flamengo)
Passar à sesta pálido
e absorto
Passar à sesta pálido
e absorto
rente dum abrasado
muro de horto,
escutar entre sarças
e espinhos
cicios de cobra, pio
de passarinhos.
Nas ervilhas ou em
gretas do solo
espiar carreiras de
rubras formigas
que ora se separam
ora se ligam
ao cruzarem nalgum
monte minúsculo.
Observar entre
frondes o palpitar
distante das escamas
do mar
enquanto se eleva o
tremor estrídulo
das cigarras nalgum
alto escalvado.
E andando no sol,
encadeado,
sentir como triste
maravilha
como é toda a vida e
as suas lidas
neste acompanhar uma
muralha
que em cima tem cacos
de garrafas partidas.
Referência:
MONTALE, Eugenio. Meriggiare
pallido e assorto / Passar à sesta pálido e absorto. Tradução de Renato Xavier.
In: __________. Ossos de sépia: 1920-1927. Prefácio, tradução e notas de
Renato Xavier. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2011. Em italiano: p. 66;
em português: p. 67. (Coleção ‘Prêmio Nobel’)
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