A lírica do poeta alude
à vastidão da bacia hidrográfica do Amazonas, sua biodiversidade, representando
o volumoso rio como um símbolo de vida, de criação, mudança e transformação, de
conexão entre o mundo terrenal e o divino – “predestinado rio em-si crucificado”
–, rio vertido em “muitos nomes”, a depender do referencial linguístico das comunidades
que vivem ao longo de seu leito.
Esse lugar de
abundância e plenitude, de tensão e potencialidade infinita, é também o da
selva imersa em sua magia, mistérios e lendas, a cada dia mais e mais
sacrificada no altar do grande capital, ante o que se aspira a que a água e o
lodo – como “sêmen de Deus” – sejam capazes de lhe restituir o equilíbrio, para
assim restaurar o ecossistema em que se debruça o rio-mar.
J.A.R. – H.C.
João de J. P. Loureiro
(n. 1939)
Cântico V
Rio
de muitos nomes,
Ser
de muitas formas e
fomes.
Espelho contra
espelho
rio só linguagem.
Rio sim sêmen de
Deus.
Amazonas
água e lama
vogais e consoantes.
Que outro nome corre
no teu leito,
se outro rio corre no
teu nome?
Rio, superfície de si
mesmo
e Mar além de si.
Terra antes de si.
(Inexistência)
Aceitação do vago
transitório,
nunca o mesmo,
o que uma onda sempre
noutra
vaga...
O sempre aquém amando
ser-além,
embora rio-agora quer
ser rio-depois,
e escadaria de ilhas
subir até o mar,
quando contém o mar
em cada gota, onda, maresia...
Predestinado rio
em-si crucificado.
Em: “Porantim: poemas
amazônicos” (1978)
Vitória-régia da
Amazônia
(Sérgio R. Yplinsky:
artista mineiro)
Referência:
LOUREIRO, João de
Jesus Paes. Cântico V. In: __________. Cantares amazônicos. 1. ed. São
Paulo, SP: Roswitha Kempf Editores, 1985. p. 19.
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