A poetisa ucraniana modela
um psicorretrato do pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890) – um artista
atormentado, tão visionário quanto incompreendido –, nos momentos que lhe antecedem
a morte, mesclando elementos de sua biografia real a outros atribuíveis à farta
imaginação poética da escritora eslava.
Tudo se passa no
espaço de um dia – entre as saudações costumeiras pela manhã, no começo do
poema, e ao cair da noite, ao seu final –, não exatamente como se houvesse
lucidez na mente do artista para captar a passagem do tempo cronológico, senão
como forma de evidenciar alguma ordem remanescente em seu ‘timing’ psicológico.
Buscando a reconstrução
de um “eu” cindido pela loucura, o artista se vale dos escaninhos da fala do
seu mundo interior, para tentar superar a clausura esquizofrênica que alimentava
os seus estados depressivos: para confrontar o páthos trágico, recorre a um
monólogo que aspira à liberdade, pospondo a solidão e a desdita nessa diligência
com destino a ignotas paragens.
J.A.R. – H.C.
Lina Kostenko
(n. 1930)
Ван-Гог
Добрий ранок, моя одинокосте!
Холод холоду. Тиша тиш.
Циклопічною одноокістю
небо дивиться на Париж.
Моя муко, ти ходиш по грані!
Вчора був я король королів.
А сьогодні попіл згорання
осідає на жар кольорів.
Мертві барви.
О руки-митарі!
На мольбертах розп'ятий світ.
Я – надгріб'я на цьому цвинтарі.
Кипариси горять в небозвід.
Небо глухо набрякло грозою.
Вигинаються пензлі-хорти.
Чорним струсом палеозою
переламано горам хребти.
Струменіє моє склепіння.
Я пастух. Я дерева пасу.
В кишенях дня, залатаних терпінням,
я кулаки до смерті донесу.
Самовитий – несамовитий –
не Сезанн – не Гоген – не Мане
але що ж я можу зробити,
як в мені багато мене?!
Він божевільний, кажуть.
Божевільний!
Що ж, може бути. Він – це значить я.
Боже – вільний...
Боже, я – вільний!
На добраніч, Свободо моя!
Autorretrato com
chapéu
de feltro cinza
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Van Gogh
Bom dia, solidão
infinita,
meu silêncio, e frio
dos frios.
O céu unóculo fita
qual um ciclope mau a
Paris.
Meu martírio, em
chamas ardendo.
Ontem fui o rei dos
reis.
Hoje a cinza do meu
incêndio
cobre a brasa dos
meus painéis.
Cores mortas.
Ó mãos-publicanas!
O mundo em telas
pregado na cruz.
Sou o epitáfio nesta
necrópole.
Os ciprestes acendem
a luz.
Como galgos, pincéis
ao requebro.
Intumesce o céu da
procela.
A erupção paleozoica
quebra
a espinha dos montes
em sela.
Minha abóbada flui ao
vento.
Sou pastor. Pastam
árvores, naus.
Nos bolsos do dia,
remendados de
sofrimento,
levarei as cerradas
mãos.
Sem posse, porém
possesso –
não Cézanne, nem Gauguin
enfim,
mas que culpa terei
eu nisso
que em mim há tanto
de mim?
“Ele é louco, que
Deus me livre!”
Pode ser. Ele – quer
dizer eu.
Que Deus me livre...
Deus, sou livre!
Liberdade minha,
adeus.
Referências:
Em Ucraniano
Костенко, Ліна. Ван-Гог. Disponível neste endereço. Acesso em: 12 jan. 2025.
Em Português
KOSTENKO, Lina. Van
Gogh. Tradução de Wira Selanski. In: SELANSKI, Wira; KOLODY, Helena (Seleção e
Tradução). Sinos: antologia de poesia ucraniana. Rio de Janeiro, RJ;
Lisboa, PT: Contraste Editora, 2009. p. 268-269.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário