Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Lina Kostenko - Van Gogh

A poetisa ucraniana modela um psicorretrato do pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890) – um artista atormentado, tão visionário quanto incompreendido –, nos momentos que lhe antecedem a morte, mesclando elementos de sua biografia real a outros atribuíveis à farta imaginação poética da escritora eslava.

 

Tudo se passa no espaço de um dia – entre as saudações costumeiras pela manhã, no começo do poema, e ao cair da noite, ao seu final –, não exatamente como se houvesse lucidez na mente do artista para captar a passagem do tempo cronológico, senão como forma de evidenciar alguma ordem remanescente em seu ‘timing’ psicológico.

 

Buscando a reconstrução de um “eu” cindido pela loucura, o artista se vale dos escaninhos da fala do seu mundo interior, para tentar superar a clausura esquizofrênica que alimentava os seus estados depressivos: para confrontar o páthos trágico, recorre a um monólogo que aspira à liberdade, pospondo a solidão e a desdita nessa diligência com destino a ignotas paragens.

 

J.A.R. – H.C.

 

Lina Kostenko

(n. 1930)

 

Ван-Гог

 

Добрий ранок, моя одинокосте!

Холод холоду. Тиша тиш.

Циклопічною одноокістю

небо дивиться на Париж.

 

Моя муко, ти ходиш по грані!

Вчора був я король королів.

А сьогодні попіл згорання

осідає на жар кольорів.

 

Мертві барви.

О руки-митарі!

На мольбертах розп'ятий світ.

Я надгріб'я на цьому цвинтарі.

 

Кипариси горять в небозвід.

Небо глухо набрякло грозою.

Вигинаються пензлі-хорти.

Чорним струсом палеозою

переламано горам хребти.

 

Струменіє моє склепіння.

Я пастух. Я дерева пасу.

В кишенях дня, залатаних терпінням,

я кулаки до смерті донесу.

 

Самовитий несамовитий

не Сезанн не Гоген не Мане

але що ж я можу зробити,

як в мені багато мене?!

 

Він божевільний, кажуть.

Божевільний!

Що ж, може бути. Він це значить я.

Боже вільний...

Боже, я вільний!

На добраніч, Свободо моя!

 

Autorretrato com chapéu

de feltro cinza

(Vincent van Gogh: pintor holandês)

 

Van Gogh

 

Bom dia, solidão infinita,

meu silêncio, e frio dos frios.

O céu unóculo fita

qual um ciclope mau a Paris.

 

Meu martírio, em chamas ardendo.

Ontem fui o rei dos reis.

Hoje a cinza do meu incêndio

cobre a brasa dos meus painéis.

 

Cores mortas.

Ó mãos-publicanas!

O mundo em telas pregado na cruz.

Sou o epitáfio nesta necrópole.

 

Os ciprestes acendem a luz.

Como galgos, pincéis ao requebro.

Intumesce o céu da procela.

A erupção paleozoica quebra

a espinha dos montes em sela.

 

Minha abóbada flui ao vento.

Sou pastor. Pastam árvores, naus.

Nos bolsos do dia,

remendados de sofrimento,

levarei as cerradas mãos.

 

Sem posse, porém possesso –

não Cézanne, nem Gauguin enfim,

mas que culpa terei eu nisso

que em mim há tanto de mim?

 

“Ele é louco, que Deus me livre!”

Pode ser. Ele – quer dizer eu.

Que Deus me livre...

Deus, sou livre!

Liberdade minha, adeus.

 

Referências:

 

Em Ucraniano

 

Костенко, Ліна. Ван-Гог. Disponível neste endereço. Acesso em: 12 jan. 2025.

 

Em Português

 

KOSTENKO, Lina. Van Gogh. Tradução de Wira Selanski. In: SELANSKI, Wira; KOLODY, Helena (Seleção e Tradução). Sinos: antologia de poesia ucraniana. Rio de Janeiro, RJ; Lisboa, PT: Contraste Editora, 2009. p. 268-269.

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