Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 4 de janeiro de 2025

W. S. Merwin - Cântico dos Três Reis

De um estado de inquietude e dúvida a outro de serenidade e proteção contra a escuridão: ao renunciarmos aos laços do mundo material, dispomo-nos, ao mesmo tempo, à consumação de tudo quanto ficou para trás, permitindo-nos a abertura para a luz – renovação e esperança a partir de um presente “atemporal” –, imprimindo matizes inéditos a toda beleza que há à nossa volta.

 

Assim há de ser a vereda para nos libertarmos do ego e da individualidade, a caminho de uma conexão mais profunda com o transcendente e o espiritual: dar maior sentido à vida é, de algum modo, aproximarmo-nos o quanto pudermos da plenitude da realização, digo melhor, da perfeição de um ciclo que nos torne divinos enquanto simples mortais.

 

J.A.R. – H.C.

 

W. S. Merwin

(1927-2019)

 

Carol of the Three Kings

 

How long ago we dreamed

Evening and the human

Step in the quiet groves

And the prayer we said:

Walk upon the darkness,

Words of the lord,

Contain the night, the dead

And here comfort us.

We have been a shadow

Many nights moving,

Swaying many nights

Between yes and no.

We have been blindness

Between sun and moon

Coaxing the time

For a doubtful star.

Now we cease, we forget

Our reasons, our city,

The sun, the perplexed day,

Noon, the irksome labor,

The flushed dream, the way,

Even the dark beasts,

Even our shadows.

In this night and day

All gifts are nothing:

What is frankincense

Where all sweetness is?

We that were followers

In the night’s confusion

Kneel and forget our feet

Who the cold way came.

Now in the darkness

After the deep song

Walk among the branches

Angels of the lord,

Over earth and child

Quiet the boughs.

Now shall we sing or pray?

Where has the night gone?

Who remembers day?

We are breath and human

And awake have seen

All birth and burial

Merge and fall away,

Seen heaven that extends

To comfort all the night,

We have felt morning move

The grove of a few hands.

 

Os Três Reis

(Edmund Lewandowski: artista polaco-americano)

 

Cântico dos Três Reis

 

Há quanto tempo sonhamos

O anoitecer, a marcha

Humana por bosques tranquilos

E a nossa articulada súplica:

“Atravessai as trevas,

Ó palavras do senhor,

Dominai a noite, os mortos

E aqui nos confortai”.

Temos sido uma sombra

Em muitas noites a mover-se,

Em muitas noites a oscilar

Entre o sim e o não.

Temos sido a cegueira

Entre o céu e a lua,

A induzir o tempo

Rumo a uma estrela incerta.

Mas agora paramos, esquecemos

Nossas razões, nossa cidade,

O sol, o dia entre desnorteios,

O meio-dia, o labor fastidioso,

O sonho ruborizado, o caminho,

Até as pardacentas feras,

Até mesmo as nossas sombras.

Nesta noite e neste dia,

Todos os presentes são nada:

O que é o olíbano,

Onde está toda a sua fragrância?

Nós que éramos seguidores

Na confusão da noite,

Ajoelhamo-nos e esquecemos dos nossos pés

Que frias trilhas atravessaram.

Agora na escuridão,

Depois do canto profundo,

Caminham entre as frondes

Os anjos do senhor:

Sobre a terra e o menino

As frondes eles aquietam.

Agora vamos cantar ou orar?

Para onde foi a noite?

Quem se lembra do dia?

Somos sopro de vida e humanos

E, despertos, vimos

Todos os nascimentos e sepultamentos

Fundirem-se e desvanecerem-se;

Vimos o céu que se estende

Para confortar a noite inteira;

Sentimos a manhã mover

O bosque de algumas mãos.

 

Referência:

 

MERWIN, W. S. Carol of the three kings. In: HOLLANDER, John; McCLATCHY, J. D. (Sel. & Ed.). Christmas poems. New York, NY: Alfred A. Knopf, 1999. p. 83-84. (‘Everyman’s Library: Pocket Poets’)

 

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