O desmonte da árvore
de Natal serve como metáfora para a mitigação das ilusões e da nostalgia pela
inocência há muito perdida: empregando certa passagem de “Hamlet”, de
Shakespeare, a poetisa norte-americana, ao aludir ao fato de que, durante o
inverno, anoitece muito mais cedo, externa o seu desejo por cercar-se de luz,
para iluminar os tons de inquietude que lhe oprimem o espírito.
Em meio ao retorno à faina
quotidiana, depois das festividades de final de ano, sobressaem aquelas emoções
arraigadas de um convívio familiar apegado às tradições cristãs: passada a
régua para apurar-se a soma de todos os fragores, remanesce apenas o aroma balsâmico
do abeto a impregnar a casa e uma disposição para encontrar beleza, inclusive
nos momentos soturnos ou contingentes da vida.
J.A.R. – H.C.
Jane Kenyon
(1947-1995)
Taking Down the Tree
“Give me some light!”
cries Hamlet’s
uncle midway through
the murder
of Gonzago. “Light!
Light!” cry scattering
courtesans. Here, as
in Denmark,
it’s dark at four,
and even the moon
shines with only half
a heart.
The ornaments go down
into the box:
the silver spaniel, My
Darling
on its collar, from
Mother’s childhood
in Illinois; the
balsa jumping jack
my brother and I
fought over,
pulling limb from
limb. Mother
drew it together
again with thread
while I watched,
feeling depraved
at the age of ten.
With something more
than caution
I handle them, and
the lights, with their
tin star-shaped
reflectors, brought along
from house to house,
their pasteboard
toy suitcases
increasingly flimsy.
Tick, tick, the
desiccated needles drop.
By suppertime all
that remains is the scent
of balsam fir. If it’s
darkness
we’re having, let it
be extravagant.
Ornamentando a Árvore
de Natal
(Autoria
Desconhecida)
Desmontando a Árvore
“Dai-me alguma luz!”,
grita o tio
de Hamlet no desenrolar
do assassinato
de Gonzago. “Luz!
Luz!”, clamam as cortesãs
em dispersão. Aqui,
como na Dinamarca,
já escurece às
quatro, e até a lua
brilha apenas a meio coração.
Os enfeites são transferidos
para a caixa:
o spaniel prateado –
com o Meu Querido
na coleira – vindo
desde a infância de mamãe
em Illinois; o boneco
articulado de pau-de-balsa
pelo qual meu irmão e
eu brigamos,
mutilando-o membro a
membro. Mamãe
o recompôs com linha
enquanto eu a tudo
assistia, sentindo-me perversa
aos dez anos de
idade.
Com algo mais do que
cautela
eu os manuseio, assim
como as luzes, com os seus
refletores
esteliformes espelhados, trasladadas
de casa em casa, em suas
caixas de brinquedo
acartonadas cada vez
mais frágeis.
Tic, tic, caem as
agulhas ressequidas.
Na hora do jantar,
tudo o que resta é o aroma
balsâmico do abeto. Se
o que estamos a enfrentar
for escuridão, que
seja ela extravagante.
Referência:
KENYON, Jane. Taking down
the tree. In: __________. Collected poems of Jane Kenyon. Minneapolis,
MN: Graywolf Press, sept. 2005. p. 153.
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