Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Richard Hugo - O Que Muito Amas Permanece Americano

Por trás da agridoce melancolia e da nostalgia de um passado vivido em uma pequena comunidade, em meio a um presente no qual praticamente tudo mudou de figura, tornando-se de algum modo alienante – tanto mais que a aparente prosperidade teima em não se correlacionar em linha direta com a felicidade –, o discurso do falante parece convalidar a ideia de que as pessoas acabam por ficar indelevelmente marcadas pelo meio em que primeiro se socializam.

 

Evidenciando a persistência da pobreza e da desigualdade nos EUA, a preservação da memória vivenciada junto a pessoas de modestas posses – desabastecidas de dinheiro nos bolsos e de ideias na mente –, ressente-se o narrador dessa espécie de peso que não se exaure. Paradoxalmente, contudo, defere-lhes um afeto por haver com elas compartilhado uma história comum, com dinâmica para se evocar em dias futuros, a cada vez que se questionar sobre o que é ter uma identidade autenticamente americana.

 

J.A.R. – H.C.

 

Richard Hugo

(1923-1982)

 

What Thou Lovest Well Remains American

 

You remember the name was Jensen. She seemed old

always alone inside, face pasted gray to the window,

and mail never came. Two blocks down, the Grubskis

went insane. George played rotten trombone

Easter when they flew the flag. Wild roses

remind you the roads were gravel and vacant lots

the rule. Poverty was real, wallet and spirit,

and each day slow as church. You remember threadbare

church groups on the corner, howling their faith

at stars, and the violent Holy Rollers

renting that barn for their annual violent sing

and the barn burned down when you came back from war.

Knowing the people you knew then are dead,

you try to believe these roads paved are improved,

the neighbors, moved in while you were away, good-looking,

their dogs well fed. You still have need

to remember lots empty and fern.

Lawns well trimmed remind you of the train

your wife took one day forever, some far empty town

the odd name you never recall. The time: 6:23.

The day: October 9. The year remains a blur.

You blame this neighborhood for your failure.

In some vague way, the Grubskis degraded you

beyond repair. And you know you must play again

and again Mrs. Jensen pale at her window, must hear

the foul music over the good slide of traffic.

You loved them well and they remain, still with nothing

to do, no money and no will. Loved them, and the gray

that was their disease you carry for extra food

in case you’re stranded in some odd empty town

and need hungry lovers for friends, and need feel

you are welcome in the secret club they have formed.

 

Ruas de livre circulação: Avenida Washington

(Carl Bretzke: artista norte-americano)

 

O Que Muito Amas Permanece Americano

 

Lembra-te que o seu nome era Jensen. Ela parecia velha,

sempre sozinha lá dentro, com o rosto cinzento colado à janela,

e o correio nunca chegava. Duas quadras à frente, os Grubskis

tornaram-se loucos. George tocava um trombone ordinário

na Páscoa, quando hasteavam a bandeira. Rosas silvestres

evocam as estradas de cascalho, ali onde a regra eram

os terrenos baldios. A pobreza era real, na carteira e no espírito,

e cada dia tão lento quanto a igreja. Lembras-te dos surrados

grupos religiosos na esquina, uivando sua fé

para as estrelas, e os violentos Holy Rollers (*)

alugando aquele celeiro para o seu impetuoso cântico anual,

e o celeiro a arder em chamas quando retornaste da guerra.

Ciente de que as pessoas que então conhecias estão mortas,

tentas acreditar que essas estradas pavimentadas são melhores,

os vizinhos, que chegaram enquanto estavas fora,

são bem-apessoados, seus cães bem alimentados. Carece ainda

que te lembres dos lotes vazios e das samambaias.

Gramados bem aparados trazem-te à memória o trem

que tua esposa pegou um dia para sempre, em alguma cidade

longínqua e vazia,

de cujo estranho nome nunca lembras. A hora: 6h23min.

O dia: 9 de outubro. O ano permanece dúbio.

Culpas essa vizinhança pelo teu fracasso.

Por algum impreciso meio, os Grubskis te degradaram de modo

irreparável. E sabes que hás de te deparar repetidamente

com a pálida Sra. Jensen à janela, tens de ouvir

a música nauseante em meio ao fluxo regular do trânsito.

Muito os amaste e eles continuam, ainda sem nada

por fazer, faltos de dinheiro e de ambição. Amaste-os, e o cinza,

traço da doença que os assolava, levas contigo como alimento extra,

caso fiques encalhado em alguma cidade estranha e vazia

e te decidas por amantes famintos como amigos, e precises sentir

que és bem-vindo no clube secreto por eles criado.

 

Nota:

 

(*). Holy Rollers: termo empregado para descrever danças, tremores ou outros movimentos rumorosos por parte de alguns fiéis protestantes, como os das igrejas pentecostais metodistas, que assim se percebem como estando sob a influência do Espírito Santo.

 

Referência:

 

HUGO, Richard. What thou lovest well remains american. In: __________. Making certain it goes on: the collected poems of Richard Hugo. Introduction by William Kittredge. New York, NY: W. W. Norton & Co., 2007. p. 235-236.

Nenhum comentário:

Postar um comentário