Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Lúcio Autran - Galo

Epigrafado com verso extraído ao famoso poema de Melo Neto, este versos de Autran justapõem à ideia de canto e de vigília de um galo ao início do dia, outra que lhe é oposta, vale dizer, a de um galo que comparece tarde demais à cena, depois que todos se foram, tornando o seu canto uma “mudez inconsútil”, ou melhor, um silêncio monocórdico que já não condiz com o tradicional papel de despertador.

 

Se o galo for a metáfora para o poeta, o falante encontra-se rendido a uma sensação de inutilidade e de vazio, e mesmo o talento para trautear para além do poleiro, divisando a imensidão do universo – a Via Láctea ou, mais amplamente, o cosmos – não lhe serve como motivo para que renuncie a arrancar os próprios olhos, como se um Édipo fosse, resignado com as forças do destino, tornando-se destarte um “galo incomunicável”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Lúcio Autran

(n. 1957)

 

Galo

 

“Um galo sozinho não tece a manhã”

J. C. de Melo Neto

 

Galo tardio

todos se foram

é acordar o vazio

 

Galo inútil

meu canto é só

mudez inconsútil

 

Galo, destroços

tempo de mudos

de galos mortos

 

Galo intátil

meu poleiro

a Via Láctea

 

Arranco os olhos

(cortam cadentes

o cosmos), e galo

 

me calo.

 

O galo ao amanhecer

(Dusan Vukovic: pintor sérvio)

 

Referência:

 

AUTRAN, Lúcio. Galo. In: MASSI, Augusto (Org.). Artes e ofícios da poesia. Porto Alegre, RS: Artes e Ofícios, 1991. p. 227.

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