Epigrafado com verso
extraído ao famoso
poema de Melo Neto, este versos de Autran justapõem à ideia de canto e de
vigília de um galo ao início do dia, outra que lhe é oposta, vale dizer, a de
um galo que comparece tarde demais à cena, depois que todos se foram, tornando
o seu canto uma “mudez inconsútil”, ou melhor, um silêncio monocórdico que já
não condiz com o tradicional papel de despertador.
Se o galo for a metáfora
para o poeta, o falante encontra-se rendido a uma sensação de inutilidade e de
vazio, e mesmo o talento para trautear para além do poleiro, divisando a
imensidão do universo – a Via Láctea ou, mais amplamente, o cosmos – não lhe
serve como motivo para que renuncie a arrancar os próprios olhos, como se um Édipo
fosse, resignado com as forças do destino, tornando-se destarte um “galo
incomunicável”.
J.A.R. – H.C.
Lúcio Autran
(n. 1957)
Galo
“Um galo sozinho não
tece a manhã”
J. C. de Melo Neto
Galo tardio
todos se foram
é acordar o vazio
Galo inútil
meu canto é só
mudez inconsútil
Galo, destroços
tempo de mudos
de galos mortos
Galo intátil
meu poleiro
a Via Láctea
Arranco os olhos
(cortam cadentes
o cosmos), e galo
me calo.
O galo ao amanhecer
(Dusan Vukovic:
pintor sérvio)
Referência:
AUTRAN, Lúcio. Galo. In: MASSI, Augusto (Org.). Artes e ofícios da poesia. Porto Alegre, RS: Artes e Ofícios, 1991. p. 227.
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