Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 20 de outubro de 2024

Sérgio Milliet - Fruto Permitido

Interagindo com a temática de renúncia ao “fruto proibido”, contida no livro bíblico do Gênesis, fazendo-lhe óbvio contraste, o poeta explora, de modo refinado, lúbrico e passional, os contornos anatômicos de uma mulher e o trâmite que se espera culminar no acicatamento do desejo e num clímax de intimidade física.

 

Veja-se o acento que o falante impõe na descrição das linhas da boca – onde se dá a coroação úmida e apaixonada do referido desejo –; no potencial que tem o ventre de, em seus movimentos, levar ao gozo; nos “seios miúdos”; afora outras regiões “recônditas” igualmente sensíveis: dirigido a um “tu”, que também pode ser interpretado como uma fala de si para si, do próprio ente lírico, o fluxo dos versos parece acompanhar um roteiro de como se explorar o corpo feminino, da cabeça aos pés e, de volta, até o polo cardinal do prazer.

 

J.A.R. – H.C.

 

Sérgio Milliet

(1898-1966)

 

Fruto Permitido

 

Repousa o olhar no seu rosto distraído

acompanha devagar o seu perfil

e desce pelo colo até os seios

miúdos

e sobe novamente até o recôncavo do braço

e descansa teus lábios nessa relva

para depois seguir

até a ponta dos dedos magros

onde sangra o pudor das unhas.

 

Deixa a boca para o fim

úmida coroa do desejo imperioso

e continua.

 

O ventre passivo nasce aqui

e ondula suave

e vai morrer noutros lábios

ansiosos por carícias mais perversas.

Mas não pares ainda.

Vai mais longe.

Escorrega pela doçura nervosa das coxas

pela retidão das pernas

até o declive dos pés que carregam a amada.

 

Vê como se deleitam a teu contato

esquecidos que são o mais das vezes

na sua honradez de proletários.

 

E sobe de novo para descobrir atrás dos joelhos

um recanto escondido

onde se aninham sensações inéditas

e para um pouco nos rins friorentos

cheios de tremores furtivos

e nas espáduas e no pescoço

ariscos e sensíveis.

 

E só então, afinadas as cordas todas do prazer

colhe no beijo que desmaia

o fruto permitido do amor.

 

Fruto Proibido

(Adam Santana: artista norte-americano)

 

Referência:

 

MILLIET, Sérgio. Fruto proibido. Revista Acadêmica: Antologia da moderna poesia brasileira, Rio de Janeiro, n. 44, p. 125, jun. 1939. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 out. 2024.

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