Interagindo com a
temática de renúncia ao “fruto proibido”, contida no livro bíblico do Gênesis,
fazendo-lhe óbvio contraste, o poeta explora, de modo refinado, lúbrico e
passional, os contornos anatômicos de uma mulher e o trâmite que se espera
culminar no acicatamento do desejo e num clímax de intimidade física.
Veja-se o acento que
o falante impõe na descrição das linhas da boca – onde se dá a coroação úmida e
apaixonada do referido desejo –; no potencial que tem o ventre de, em seus
movimentos, levar ao gozo; nos “seios miúdos”; afora outras regiões “recônditas”
igualmente sensíveis: dirigido a um “tu”, que também pode ser interpretado como
uma fala de si para si, do próprio ente lírico, o fluxo dos versos parece
acompanhar um roteiro de como se explorar o corpo feminino, da cabeça aos pés
e, de volta, até o polo cardinal do prazer.
J.A.R. – H.C.
Sérgio Milliet
(1898-1966)
Fruto Permitido
Repousa o olhar no
seu rosto distraído
acompanha devagar o
seu perfil
e desce pelo colo até
os seios
miúdos
e sobe novamente até
o recôncavo do braço
e descansa teus
lábios nessa relva
para depois seguir
até a ponta dos dedos
magros
onde sangra o pudor
das unhas.
Deixa a boca para o
fim
úmida coroa do desejo
imperioso
e continua.
O ventre passivo
nasce aqui
e ondula suave
e vai morrer noutros
lábios
ansiosos por carícias
mais perversas.
Mas não pares ainda.
Vai mais longe.
Escorrega pela doçura
nervosa das coxas
pela retidão das
pernas
até o declive dos pés
que carregam a amada.
Vê como se deleitam a
teu contato
esquecidos que são o
mais das vezes
na sua honradez de
proletários.
E sobe de novo para
descobrir atrás dos joelhos
um recanto escondido
onde se aninham
sensações inéditas
e para um pouco nos
rins friorentos
cheios de tremores
furtivos
e nas espáduas e no
pescoço
ariscos e sensíveis.
E só então, afinadas
as cordas todas do prazer
colhe no beijo que
desmaia
o fruto permitido do
amor.
Fruto Proibido
(Adam Santana: artista
norte-americano)
Referência:
MILLIET, Sérgio. Fruto proibido. Revista Acadêmica: Antologia da moderna poesia brasileira, Rio de Janeiro, n. 44, p. 125, jun. 1939. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 out. 2024.
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