Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Amy Clampitt - Meridiano

Envoltos em certa atmosfera tranquila e serena, estes versos de Clampitt descrevem uma cena – talvez bastante frequente no Iowa natal da poetisa – na qual um amanhecer em pleno verão instaura-se por meio de monótona e pachorrenta rotina de trabalho, nela a sobressair o peso das responsabilidades que se estendem de um lado a outro do ponto mais alto do dia – em que a “meridiana” e sufocante luz do sol afadiga os quinteiros e os que se dedicam às tarefas domésticas.

 

A autora levanta a questão se não há algo mais na vida do que tais programas diários, esfalfamentos e obrigações recorrentes, capaz de dispersar o tédio que a tudo degenera: é quando então se destaca a possibilidade de beleza e de inesperados arrebatamentos, como os que nos proporciona a natureza, com suas nuvens de tormentas e seus relâmpagos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Amy Clampitt

(1920-1994)

 

Meridian

 

First daylight on the bittersweet-hung

sleeping porch at high summer: dew

all over the lawn, sowing diamond-

point-highlighted shadows:

the hired man’s shadow revolving

along the walk, a flash of milkpails

passing: no threat in sight, no hint

anywhere in the universe, of that

 

apathy at the meridian, the noon

of absolute boredom: flies

crooning black lullabies in the kitchen,

milk-soured crocks, cream separator

still unwashed: what is there to life

but chores and more chores, dishwater,

fatigue, unwanted children: nothing

to stir the longueur of afternoon

 

except possibly thunderheads:

climbing, livid, turreted alabaster

lit up from within by splendor and terror

– forked lightning’s

split-second disaster.

 

Tempestade de Verão

(Crystal Beshara: artista canadense)

 

Meridiano

 

Primeira luz do dia

sobre o sonolento alpendre

com trepadeiras pendentes

e é pleno verão: orvalho

por todo o gramado semeando

imagens pontilhadas de diamantes –

a sombra do homem trabalhador

movendo-se ao longo do caminho

passeia nos baldes de ordenha

nenhuma ameaça à vista,

nenhuma mudança no universo

 

dessa apatia meridiana, o meio-dia

de absoluto tédio: o voo de moscas

entoando cantigas negras de ninar,

na cozinha potes de leite com ranço,

a desnatadeira ainda por lavar:

o que é a vida senão tarefas

e mais tarefas, a água da louça, fadiga,

crianças indesejadas

nada para mexer com a lassidão da tarde

 

exceto pelas nuvens de tempestade

lívidas e escalantes torres de alabastro

iluminadas desde dentro

pelo esplendor e o terror

– o desastre instantâneo

 de um relâmpago bifurcado.

 

Referência:

 

CLAMPIT, Amy. Meridian / Meridiano. Tradução de Denise Emmer. Poesia sempre: revista semestral de poesia. Publicação da Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (RJ), ano 2, n. 3, fev. 1994. Em inglês: p. 40; em português: p. 41.

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