Envoltos em certa atmosfera
tranquila e serena, estes versos de Clampitt descrevem uma cena – talvez bastante
frequente no Iowa natal da poetisa – na qual um amanhecer em pleno verão instaura-se
por meio de monótona e pachorrenta rotina de trabalho, nela a sobressair o peso
das responsabilidades que se estendem de um lado a outro do ponto mais alto do
dia – em que a “meridiana” e sufocante luz do sol afadiga os quinteiros e os
que se dedicam às tarefas domésticas.
A autora levanta a
questão se não há algo mais na vida do que tais programas diários, esfalfamentos e
obrigações recorrentes, capaz de dispersar o tédio que a tudo degenera: é
quando então se destaca a possibilidade de beleza e de inesperados
arrebatamentos, como os que nos proporciona a natureza, com suas nuvens de
tormentas e seus relâmpagos.
J.A.R. – H.C.
Amy Clampitt
(1920-1994)
Meridian
First daylight on the
bittersweet-hung
sleeping porch at
high summer: dew
all over the lawn,
sowing diamond-
point-highlighted
shadows:
the hired man’s
shadow revolving
along the walk, a
flash of milkpails
passing: no threat in
sight, no hint
anywhere in the
universe, of that
apathy at the
meridian, the noon
of absolute boredom:
flies
crooning black
lullabies in the kitchen,
milk-soured crocks,
cream separator
still unwashed: what
is there to life
but chores and more
chores, dishwater,
fatigue, unwanted
children: nothing
to stir the longueur
of afternoon
except possibly
thunderheads:
climbing, livid,
turreted alabaster
lit up from within by
splendor and terror
– forked lightning’s
split-second
disaster.
Tempestade de Verão
(Crystal Beshara: artista canadense)
Meridiano
Primeira luz do dia
sobre o sonolento
alpendre
com trepadeiras
pendentes
e é pleno verão:
orvalho
por todo o gramado
semeando
imagens pontilhadas
de diamantes –
a sombra do homem
trabalhador
movendo-se ao longo
do caminho
passeia nos baldes de
ordenha
nenhuma ameaça à
vista,
nenhuma mudança no
universo
dessa apatia
meridiana, o meio-dia
de absoluto tédio: o
voo de moscas
entoando cantigas
negras de ninar,
na cozinha potes de
leite com ranço,
a desnatadeira ainda
por lavar:
o que é a vida senão
tarefas
e mais tarefas, a
água da louça, fadiga,
crianças indesejadas
nada para mexer com a
lassidão da tarde
exceto pelas nuvens
de tempestade
lívidas e escalantes
torres de alabastro
iluminadas desde
dentro
pelo esplendor e o
terror
– o desastre
instantâneo
de um relâmpago
bifurcado.
Referência:
CLAMPIT, Amy.
Meridian / Meridiano. Tradução de Denise Emmer. Poesia sempre: revista semestral de poesia. Publicação da Fundação
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (RJ), ano 2, n. 3, fev. 1994. Em inglês: p.
40; em português: p. 41.
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