Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Lawrence Ferlinghetti - A Gata

A gata do poeta é uma espécie de deidade, a julgar pelas palavras de Pitágoras, para quem o silêncio dos céus é, na verdade, “a música das esferas”, que somente os deuses são capazes de ouvir. E não só ouvir, no caso específico, como também ver coisas que a nós, simples mortais, não nos sensibilizam as retinas.

 

De fato, uma potestade sensitiva – esfíngica e enigmática – a desafiar a eternidade, eis que abstraída à passagem do tempo, em conexão mais ampla com o cosmos – ainda que afeita a comodidades, estando a relaxar sobre as estantes de livros, na provável biblioteca pessoal do falante, usufruindo de um ambiente doméstico aquecido pelo calefator.

 

J.A.R. – H.C.

 

Lawrence Ferlinghetti

(1919-2021)

 

The Cat

 

The cat

licks its paws and

lies down in

the bookshelf nook

 

She

can lie in a

sphinx position

without moving for so

many hours and then turn her head

to me and

rise and stretch

and turn

her back to me and

lick her paw again as if

no real time had passed

It hasn’t

and she is the sphinx with

all the time in the world

in the desert of her time

 

The cat

knows where flies die

sees ghosts in motes of air

and shadows of sunbeams

 

She hears

the music of the spheres and

the hum in the wires of houses

and the hum of the universe

in interstellar spaces

but

prefers domestic places

and the hum of the heater

 

Gata e seus filhotes

(Henriette Ronner-Knip: artista belgo-holandesa)

 

A Gata

 

A gata

lambe suas patas e

deita-se no

canto da estante de livros

 

Ela pode ficar deitada numa

posição de esfinge

sem mexer-se a valer por

muitas horas e depois virar a cabeça

em minha direção

levantar-se e espreguiçar-se

pondo-se então

de costas para mim

a lamber de novo sua pata como se

nenhum tempo houvesse passado

E de fato não passou

pois ela é uma esfinge com

todo o tempo do mundo

no deserto de seu tempo

 

A gata

sabe onde morrem as moscas

vê fantasmas nas partículas do ar

e sombras nos raios de sol

 

Ela ouve

a música das esferas

o chirrio nos cabos elétricos das casas

o reverberar do universo

nos espaços interestelares

embora prefira os ambientes domésticos

e o zumbido da calefação

 

Referência:

 

FERLINGHETTI, Lawrence. The cat. In: __________. These are my rivers: new & selected poems 1955-1993. New York, NY: New Directions, 1993. p. 50.

ö

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