Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

William Shakespeare - Soneto CVI

Ao compulsar descrições antigas de pessoas formosas em crônicas de uma época em que cavaleiros e damas levavam vidas de romance e mistério, o falante logo se dispõe a incensar a beleza que percebe na pessoa a quem dirige o presente soneto, servindo aqueles encômios como premonições da graça que tal pessoa encarna no momento atual, agora apreciada em sua plenitude, ainda que possa remanescer, em seus contemporâneos, alguma inabilidade em expressá-la por meio de palavras.

 

O poeta, obviamente, está a menosprezar, modestamente, os seus próprios esforços, mas o texto do soneto contradiz o que declara, vale dizer, a ausência de talento poético. De qualquer modo, a beleza retratada em palavras vive num mundo incomensurável ao da fugaz beleza física da juventude, sendo aquela mera representação desta, mas ambas a nos trazer o brilho nos olhos, o êxtase que nos embevece os sentidos.

 

J.A.R. – H.C.

 

William Shakespeare

(1564-1616)

The Soest Portrait

 

Sonnet CVI

 

When in the chronicle of wasted time,

I see descriptions of the fairest wights,

And beauty making beautiful old rhyme,

In praise of ladies dead, and lovely knights,

Then in the blazon of sweet beauty’s best,

Of hand, of foot, of lip, of eye, of brow,

I see their antique pen would have express’d,

Even such a beauty as you master now.

So all their praises are but prophecies

Of this our time, all you prefiguring,

And for they look’d but with divining eyes,

They had not skill enough your worth to sing:

For we which now behold these present days,

Have eyes to wonder, but lack tongues to praise.

 

O caramanchão de madressilvas

(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

 

Soneto CVI

 

Quando na crônica do tempo que passou

Eu leio as descrições dos seres mais formosos

E as velhas rimas que a beleza embelezou

Para louvar ou damas ou varões garbosos,

Vejo que no melhor da doce formosura,

Em mão ou pé, em lábio ou fronte, ou num olhar,

Uma beleza tal como a que em ti fulgura

Foi o que a pena antiga ambicionou mostrar.

Assim, todo o louvor é apenas predição

Do nosso tempo, pois tão-só te prefigura,

E como o antigo olhar foi só divinação,

Não pode levantar seu verso à tua altura.

Mas nós, os vivos, que podemos te admirar,

Não temos língua que te possa celebrar.

 

(Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos)

 

Dança no campo

(Pierre-Auguste Renoir: artista francês)

 

Soneto CVI

 

Retratos me depara a história primorosos

De mulheres que, antanho, exornaram o mundo.

A elas, como a gentis cavaleiros famosos,

Honraram versos que, inda, a alma nos tocam fundo.

Figuram nos brasões de tais seres eleitos,

Faces, lábios, mãos, pés, olhos – soberbos mimos

Que penas magistrais tinham como perfeitos

E, que, certo, vos são apanágios opimos.

Tais louvores, assim – profecia constante

De outras eras – então, já vos prefiguraram;

Mas, posto vos previsse olhar vaticinante,

Aquém do vosso real valor sempre ficaram.

Mesmo o que hoje vos vê só vos pode admirar;

Ninguém, qual mereceis, vos poderá louvar.

 

(Tradução de Jerónimo de Aquino)

 

Referências:

 

SHAKESPEARE, William. Sonnet CVI / Soneto CVI. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: __________. Sonetos. Tradução e introdução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo, SP: Hedra, 2008. Em inglês: p. 104; em português: p. 105.

 

SHAKESPEARE, William. Soneto CVI. In: __________. Sonetos. Tradução de Jerónimo de Aquino. São Paulo, SP: Martin Claret, 2006. p. 132. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’; v. 249)

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