Ao compulsar descrições
antigas de pessoas formosas em crônicas de uma época em que cavaleiros e damas
levavam vidas de romance e mistério, o falante logo se dispõe a incensar a
beleza que percebe na pessoa a quem dirige o presente soneto, servindo aqueles
encômios como premonições da graça que tal pessoa encarna no momento atual,
agora apreciada em sua plenitude, ainda que possa remanescer, em seus contemporâneos,
alguma inabilidade em expressá-la por meio de palavras.
O poeta, obviamente,
está a menosprezar, modestamente, os seus próprios esforços, mas o texto do soneto
contradiz o que declara, vale dizer, a ausência de talento poético. De qualquer
modo, a beleza retratada em palavras vive num mundo incomensurável ao da fugaz
beleza física da juventude, sendo aquela mera representação desta, mas ambas a
nos trazer o brilho nos olhos, o êxtase que nos embevece os sentidos.
J.A.R. – H.C.
William Shakespeare
(1564-1616)
The Soest Portrait
Sonnet CVI
When in the chronicle
of wasted time,
I see descriptions of
the fairest wights,
And beauty making beautiful
old rhyme,
In praise of ladies
dead, and lovely knights,
Then in the blazon of
sweet beauty’s best,
Of hand, of foot, of
lip, of eye, of brow,
I see their antique
pen would have express’d,
Even such a beauty as
you master now.
So all their praises
are but prophecies
Of this our time, all
you prefiguring,
And for they look’d
but with divining eyes,
They had not skill
enough your worth to sing:
For we which now
behold these present days,
Have eyes to wonder,
but lack tongues to praise.
O caramanchão de
madressilvas
(Peter Paul Rubens:
pintor flamengo)
Soneto CVI
Quando na crônica do
tempo que passou
Eu leio as descrições
dos seres mais formosos
E as velhas rimas que
a beleza embelezou
Para louvar ou damas
ou varões garbosos,
Vejo que no melhor da
doce formosura,
Em mão ou pé, em
lábio ou fronte, ou num olhar,
Uma beleza tal como a
que em ti fulgura
Foi o que a pena
antiga ambicionou mostrar.
Assim, todo o louvor
é apenas predição
Do nosso tempo, pois
tão-só te prefigura,
E como o antigo olhar
foi só divinação,
Não pode levantar seu
verso à tua altura.
Mas nós, os vivos,
que podemos te admirar,
Não temos língua que
te possa celebrar.
(Tradução de Péricles
Eugênio da Silva Ramos)
Dança no campo
(Pierre-Auguste
Renoir: artista francês)
Soneto CVI
Retratos me depara a
história primorosos
De mulheres que,
antanho, exornaram o mundo.
A elas, como a gentis
cavaleiros famosos,
Honraram versos que,
inda, a alma nos tocam fundo.
Figuram nos brasões
de tais seres eleitos,
Faces, lábios, mãos,
pés, olhos – soberbos mimos
Que penas magistrais
tinham como perfeitos
E, que, certo, vos
são apanágios opimos.
Tais louvores, assim
– profecia constante
De outras eras –
então, já vos prefiguraram;
Mas, posto vos
previsse olhar vaticinante,
Aquém do vosso real
valor sempre ficaram.
Mesmo o que hoje vos
vê só vos pode admirar;
Ninguém, qual
mereceis, vos poderá louvar.
(Tradução de Jerónimo
de Aquino)
Referências:
SHAKESPEARE, William.
Sonnet CVI / Soneto CVI. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In:
__________. Sonetos. Tradução e introdução de Péricles Eugênio da Silva
Ramos. São Paulo, SP: Hedra, 2008. Em inglês: p. 104; em português: p. 105.
SHAKESPEARE, William.
Soneto CVI. In: __________. Sonetos. Tradução de Jerónimo de Aquino. São
Paulo, SP: Martin Claret, 2006. p. 132. (Coleção ‘A obra-prima de cada autor’;
v. 249)
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