Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 13 de maio de 2016

João Cabral de Melo Neto - Tecendo a manhã

Neste antológico poema, o grande poeta nordestino refere-se aos cantos entrecruzados dos galos como uma metáfora para a necessária solidariedade entre os homens, a possibilitar a superação dos obstáculos com que nos deparamos a cada dia.

Pode-se interpretá-lo, também, como alusão à característica intertextual da própria poesia, que, num crescendo, passa de um poema a outro os elementos de forma e conteúdo: alguém aclara e redige algo, para outro alguém que assim o replicará a terceiros a seu próprio modo.

E, dessa forma, a manhã, seja um elemento concreto – como na arquitetura da primeira estrofe –, seja um figurativo balão de luz que ascende aos ares – na segunda –, transcorre sob a égide de encadeamentos iterativos que anelam e robustecem as ações humanas.

J.A.R. – H.C.

João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

Tecendo a manhã

1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Em: “A Educação pela Pedra” (1962-1965)

Galos e Galinhas
(Yana Movchan: artista ucraniana)

Referência:                                                               

MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a manhã. In: __________. Antologia poética. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympo Editora - Sabiá, 1973. p. 15-16.

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