Neste antológico poema, o grande poeta nordestino refere-se aos cantos
entrecruzados dos galos como uma metáfora para a necessária solidariedade entre
os homens, a possibilitar a superação dos obstáculos com que nos deparamos a
cada dia.
Pode-se interpretá-lo, também, como alusão à característica intertextual
da própria poesia, que, num crescendo, passa de um poema a outro os elementos de
forma e conteúdo: alguém aclara e redige algo, para outro alguém que assim o
replicará a terceiros a seu próprio modo.
E, dessa forma, a manhã, seja um elemento concreto – como na arquitetura
da primeira estrofe –, seja um figurativo balão de luz que ascende aos ares – na
segunda –, transcorre sob a égide de encadeamentos iterativos que anelam e robustecem as ações humanas.
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
Tecendo a manhã
1
Um galo sozinho não
tece uma manhã:
ele precisará sempre
de outros galos.
De um que apanhe esse
grito que ele
e o lance a outro; de
um outro galo
que apanhe o grito de
um galo antes
e o lance a outro; e
de outros galos
que com muitos outros
galos se cruzem
os fios de sol de
seus gritos de galo,
para que a manhã,
desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre
todos os galos.
2
E se encorpando em
tela, entre todos,
se erguendo tenda,
onde entrem todos,
se entretendendo para
todos, no toldo
(a manhã) que plana
livre de armação.
A manhã, toldo de um
tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva
por si: luz balão.
Em: “A Educação pela Pedra” (1962-1965)
Galos e Galinhas
(Yana Movchan:
artista ucraniana)
Referência:
MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a
manhã. In: __________. Antologia poética.
2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympo Editora - Sabiá, 1973. p. 15-16.
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