Guinizzelli, um dos
mais destacados representantes do “Dolce Stil Nuovo” – movimento literário que
se desenvolveu na Itália em fins do século XIII e princípios do XIV –, detém-se
aqui a explorar a relação entre o amor e a nobreza d’alma, sua íntima conexão
com a natureza, bem assim os efeitos positivos que lhe são cumulados pelo agir virtuoso,
gentil ou complacente.
É o amor, em muito a
superar o que possa ter algum conteúdo racional ou pensante, num indisfarçável
entrelaçamento com as fontes da poesia provençal, melhor seria dizer, com um certo
misticismo franciscano e escolástico: sol e luz, fogo e calor e todos os
amálgamas que indiferenciam o que se apreende pelos olhos e o que cala fundo no
coração.
J.A.R. – H.C.
Guido Guinizzelli
(1230-1276)
Al cor gentil
rempaira sempre amore
Al cor gentil
rempaira sempre amore
come l’ausello in
selva a la verdura;
né fe’ amor anti che
gentil core,
né gentil core anti
ch’amor, natura:
ch’adesso con’ fu ’l
sole,
sì tosto lo splendore
fu lucente,
né fu davanti ’l
sole;
e prende amore in
gentilezza loco
così propïamente
come calore in
clarità di foco.
Foco d’amore in
gentil cor s’aprende
come vertute in petra
prezïosa,
che da la stella
valor no i discende
anti che ’l sol la
faccia gentil cosa;
poi che n’ha tratto
fòre
per sua forza lo sol
ciò che li è vile,
stella li dà valore:
così lo cor ch’è fatto
da natura
asletto, pur,
gentile,
donna a guisa di
stella lo ’nnamora.
Amor per tal ragion
sta ’n cor gentile
per qual lo foco in
cima del doplero:
splendeli al su’
diletto, clar, sottile;
no li stari’ altra
guisa, tant’è fero.
Così prava natura
recontra amor come fa
l’aigua il foco
caldo, per la
freddura.
Amore in gentil cor
prende rivera
per suo consimel loco
com’ adamàs del ferro
in la minera.
Fere lo sol lo fango
tutto ’l giorno:
vile reman, né ’l sol
perde calore;
dis’omo alter: “Gentil
per sclatta torno”;
lui semblo al fango,
al sol gentil valore:
ché non dé dar om fé
che gentilezza sia
fòr di coraggio
in degnità d’ere’
sed a vertute non ha
gentil core,
com’aigua porta
raggio
e ’l ciel riten le
stelle e lo splendore.
Splende ’n la
’ntelligenzïa del cielo
Deo crïator più che
[’n] nostr’occhi ’l sole:
ella intende suo
fattor oltra ’l cielo,
e ’l ciel volgiando,
a Lui obedir tole;
e con’ segue, al
primero,
del giusto Deo beato
compimento,
così dar dovria, al
vero,
la bella donna, poi
che [’n] gli occhi splende
del suo gentil,
talento
che mai di lei obedir
non si disprende.
Donna, Deo mi dirà: “Che
presomisti?”,
sïando l’alma mia a
lui davanti.
“Lo ciel passasti
e ’nfin a Me venisti
e desti in vano amor
Me per semblanti:
ch’a Me conven le
laude
e a la reina del
regname degno,
per cui cessa onne
fraude”.
Dir Li porò: “Tenne
d’angel sembianza
che fosse del Tuo
regno;
non me fu fallo, s’in
lei posi amanza”.
O poeta e sua musa
(Giulio Carpioni:
pintor italiano)
Ao coração gentil
retorna Amor
Ao coração gentil
retorna Amor
como pássaro ao
verde, na espessura;
nem antes vem Amor,
nem antepor
se pode gentileza: é
uma natura
conatural; ao sol
responde logo o
resplendor luzente,
nem antes houve sol;
e Amor na gentileza
tem demora
assim, tão
propriamente,
como o fogo na chama
que acalora.
No coração gentil,
acende chama
de Amor, como virtude
em pedra rara:
nem de estrela o
valor descende e inflama
coisa que o sol
gentil não faça clara;
depois que o sol pôs
fora
da pedra, por sua
força, o que era vil,
desce estrela e a
valora;
assim ao coração por
natureza
depurado e gentil,
uma dama estelar o
encanta e apresa.
Amor encima o coração
gentil
como o fogo no topo
de um fanal:
resplende a seu
prazer, claro e sutil,
altivo, que é seu
modo natural.
À gente de vileza,
Amor se opõe como a
chama abrasada
à água e sua frieza;
no coração gentil,
consemelhante,
Amor tem sua morada,
como no ferro mora o
diamante.
Fulgura o sol no limo
o dia inteiro:
o vil conserva o
tisne; o sol, calor.
“Sou nascido
gentil”, diz o altaneiro:
semelha o limo, e o
sol gentil valor;
que não merece crença
gentileza caída de
soslaio,
como bem de nascença,
no coração; virtude é
seu penhor:
como água acolhe o
raio,
e o céu retém estrelas
e esplendor.
Resplende na
inteligência do céu
Deus criador, mais
que nos olhos luz:
ao fautor ela entende
no além-céu,
e o céu movendo, a
obedecê-Lo induz;
assim consegue, vera,
do justo Deus o beato
cumprimento;
de igual modo devera
a bela dama, cujo
olhar resplenda
no olhar gentil,
talento
lhe infundir, que o
retenha e não desprenda.
Alma, Deus me dirá: “Que
presumiste?”,
o momento chegado, e
eu diante
d’Ele, através do
céu, onde Ele assiste:
“Viste num vão
amor o Meu semblante?
Honor só cabe a Mim
e à Regina deste
reino Meu,
que à fraude pôs um
fim”.
E eu Lhe direi: “Tem
o rosto de um anjo
que fosse do Teu céu:
não me culpo do Amor
que nela esbanjo”.
Folhetim, 17.07.83
Referências:
Em Italiano
GUINIZZELLI, Guido. Al cor gentil rempaira sempre amore. In: LENTINI,
Giacomo da et alii. Poesia italiana: il duecento. A cura di Piero
Cudini. 1. ed. Milano, IT: Lampi di stampa (Aldo Garzanti Editore), gennaio
1978. p. 327-329. (‘I grandi libri Garzanti’; v. 206)
Em Português
GUINIZZELLI, Guido. Ao coração gentil retorna amor. Tradução de Haroldo de Campos. In: In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Orgs.). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 156-157.
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