Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Guido Guinizzelli - Ao coração gentil retorna Amor

Guinizzelli, um dos mais destacados representantes do “Dolce Stil Nuovo” – movimento literário que se desenvolveu na Itália em fins do século XIII e princípios do XIV –, detém-se aqui a explorar a relação entre o amor e a nobreza d’alma, sua íntima conexão com a natureza, bem assim os efeitos positivos que lhe são cumulados pelo agir virtuoso, gentil ou complacente.

 

É o amor, em muito a superar o que possa ter algum conteúdo racional ou pensante, num indisfarçável entrelaçamento com as fontes da poesia provençal, melhor seria dizer, com um certo misticismo franciscano e escolástico: sol e luz, fogo e calor e todos os amálgamas que indiferenciam o que se apreende pelos olhos e o que cala fundo no coração.

 

J.A.R. – H.C.

 

Guido Guinizzelli

(1230-1276)

 

Al cor gentil rempaira sempre amore

 

Al cor gentil rempaira sempre amore

come l’ausello in selva a la verdura;

né fe’ amor anti che gentil core,

né gentil core anti ch’amor, natura:

ch’adesso con’ fu ’l sole,

sì tosto lo splendore fu lucente,

né fu davanti ’l sole;

e prende amore in gentilezza loco

così propïamente

come calore in clarità di foco.

 

Foco d’amore in gentil cor s’aprende

come vertute in petra prezïosa,

che da la stella valor no i discende

anti che ’l sol la faccia gentil cosa;

poi che n’ha tratto fòre

per sua forza lo sol ciò che li è vile,

stella li dà valore:

così lo cor ch’è fatto da natura

asletto, pur, gentile,

donna a guisa di stella lo ’nnamora.

 

Amor per tal ragion sta ’n cor gentile

per qual lo foco in cima del doplero:

splendeli al su’ diletto, clar, sottile;

no li stari’ altra guisa, tant’è fero.

Così prava natura

recontra amor come fa l’aigua il foco

caldo, per la freddura.

Amore in gentil cor prende rivera

per suo consimel loco

com’ adamàs del ferro in la minera.

 

Fere lo sol lo fango tutto ’l giorno:

vile reman, né ’l sol perde calore;

dis’omo alter: “Gentil per sclatta torno”;

lui semblo al fango, al sol gentil valore:

ché non dé dar om fé

che gentilezza sia fòr di coraggio

in degnità d’ere’

sed a vertute non ha gentil core,

com’aigua porta raggio

e ’l ciel riten le stelle e lo splendore.

 

Splende ’n la ’ntelligenzïa del cielo

Deo crïator più che [’n] nostr’occhi ’l sole:

ella intende suo fattor oltra ’l cielo,

e ’l ciel volgiando, a Lui obedir tole;

e con’ segue, al primero,

del giusto Deo beato compimento,

così dar dovria, al vero,

la bella donna, poi che [’n] gli occhi splende

del suo gentil, talento

che mai di lei obedir non si disprende.

 

Donna, Deo mi dirà: “Che presomisti?”,

sïando l’alma mia a lui davanti.

Lo ciel passasti e ’nfin a Me venisti

e desti in vano amor Me per semblanti:

ch’a Me conven le laude

e a la reina del regname degno,

per cui cessa onne fraude”.

Dir Li porò: “Tenne d’angel sembianza

che fosse del Tuo regno;

non me fu fallo, s’in lei posi amanza”.

 

O poeta e sua musa

(Giulio Carpioni: pintor italiano)

 

Ao coração gentil retorna Amor

 

Ao coração gentil retorna Amor

como pássaro ao verde, na espessura;

nem antes vem Amor, nem antepor

se pode gentileza: é uma natura

conatural; ao sol

responde logo o resplendor luzente,

nem antes houve sol;

e Amor na gentileza tem demora

assim, tão propriamente,

como o fogo na chama que acalora.

 

No coração gentil, acende chama

de Amor, como virtude em pedra rara:

nem de estrela o valor descende e inflama

coisa que o sol gentil não faça clara;

depois que o sol pôs fora

da pedra, por sua força, o que era vil,

desce estrela e a valora;

assim ao coração por natureza

depurado e gentil,

uma dama estelar o encanta e apresa.

 

Amor encima o coração gentil

como o fogo no topo de um fanal:

resplende a seu prazer, claro e sutil,

altivo, que é seu modo natural.

À gente de vileza,

Amor se opõe como a chama abrasada

à água e sua frieza;

no coração gentil, consemelhante,

Amor tem sua morada,

como no ferro mora o diamante.

 

Fulgura o sol no limo o dia inteiro:

o vil conserva o tisne; o sol, calor.

Sou nascido gentil”, diz o altaneiro:

semelha o limo, e o sol gentil valor;

que não merece crença

gentileza caída de soslaio,

como bem de nascença,

no coração; virtude é seu penhor:

como água acolhe o raio,

e o céu retém estrelas e esplendor.

 

Resplende na inteligência do céu

Deus criador, mais que nos olhos luz:

ao fautor ela entende no além-céu,

e o céu movendo, a obedecê-Lo induz;

assim consegue, vera,

do justo Deus o beato cumprimento;

de igual modo devera

a bela dama, cujo olhar resplenda

no olhar gentil, talento

lhe infundir, que o retenha e não desprenda.

 

Alma, Deus me dirá: “Que presumiste?”,

o momento chegado, e eu diante

d’Ele, através do céu, onde Ele assiste:

Viste num vão amor o Meu semblante?

Honor só cabe a Mim

e à Regina deste reino Meu,

que à fraude pôs um fim”.

E eu Lhe direi: “Tem o rosto de um anjo

que fosse do Teu céu:

não me culpo do Amor que nela esbanjo”.

 

Folhetim, 17.07.83

 

Referências:

 

Em Italiano

 

GUINIZZELLI, Guido. Al cor gentil rempaira sempre amore. In: LENTINI, Giacomo da et alii. Poesia italiana: il duecento. A cura di Piero Cudini. 1. ed. Milano, IT: Lampi di stampa (Aldo Garzanti Editore), gennaio 1978. p. 327-329. (‘I grandi libri Garzanti’; v. 206)

 

Em Português

 

GUINIZZELLI, Guido. Ao coração gentil retorna amor. Tradução de Haroldo de Campos. In: In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Orgs.). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 156-157.

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