Eis aqui mais um cismar
sobre a natureza efêmera da vida humana, em contraste com a aparente
imortalidade da poesia e sua capacidade de perdurar, seguindo relevante mesmo
após o desparecimento de todos os circunstantes que um dia a viram nascer: o
poema, sendo linguagem aberta à interpretação, renova-se a cada leitura, assomando
a uma nova vida, concomitantemente à transformação de todas as coisas sob o
efeito do tempo.
A essência do poético
decanta-se sobre os contornos tangíveis da realidade, e o poeta, com sua forma
de expressão nada vulgar, logra desvelar-lhe os vestígios do poder cosmogônico
das origens que se protrai até a eternidade: num voo solitário, pervaga ele os
céus das mais belas e contingentes paisagens, abrindo-nos a visão para aqueles
elementos abstrusos, subjacentes a este fluido mundo fenomênico.
J.A.R. – H.C.
Armindo Trevisan
(n. 1933)
Homenagem a um
solitário
Desde que nasce
o poeta prepara-se
para escrever
um verso,
elíptico e essencial,
onde a poesia adormeça
e não acorde senão
quando todos os
homens
estiverem mortos,
e deles nada fique
exceto um sapato,
um anel, um copo,
o breviário de um
Papa
sobre um travesseiro,
uma mecha de cabelos
de mulher, em cujo
lado
um cinzeiro dos
tempos antigos
ri-se de um cigarro
semiapagado.
Solitude
(Daler Usmonov:
artista tadjique)
Referência:
TREVISAN, Armindo.
Homenagem a um solitário. In: __________. ‘Adega imaginária’, seguido de ‘O
relincho do cavalo adormecido’. 1. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. p.
93.
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