Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Armindo Trevisan - Homenagem a um solitário

Eis aqui mais um cismar sobre a natureza efêmera da vida humana, em contraste com a aparente imortalidade da poesia e sua capacidade de perdurar, seguindo relevante mesmo após o desparecimento de todos os circunstantes que um dia a viram nascer: o poema, sendo linguagem aberta à interpretação, renova-se a cada leitura, assomando a uma nova vida, concomitantemente à transformação de todas as coisas sob o efeito do tempo.

 

A essência do poético decanta-se sobre os contornos tangíveis da realidade, e o poeta, com sua forma de expressão nada vulgar, logra desvelar-lhe os vestígios do poder cosmogônico das origens que se protrai até a eternidade: num voo solitário, pervaga ele os céus das mais belas e contingentes paisagens, abrindo-nos a visão para aqueles elementos abstrusos, subjacentes a este fluido mundo fenomênico.

 

J.A.R. – H.C.

 

Armindo Trevisan

(n. 1933)

 

Homenagem a um solitário

 

Desde que nasce

o poeta prepara-se para escrever

um verso,

elíptico e essencial,

onde a poesia adormeça

e não acorde senão

quando todos os homens

estiverem mortos,

e deles nada fique

exceto um sapato,

um anel, um copo,

o breviário de um Papa

sobre um travesseiro,

uma mecha de cabelos

de mulher, em cujo lado

um cinzeiro dos tempos antigos

ri-se de um cigarro semiapagado.

 

Solitude

(Daler Usmonov: artista tadjique)

 

Referência:

 

TREVISAN, Armindo. Homenagem a um solitário. In: __________. ‘Adega imaginária’, seguido de ‘O relincho do cavalo adormecido’. 1. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. p. 93.

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