Eis aqui um
panegírico de Auden aos poetas medievais, assim como a outros anônimos vates
daquela época: o falante se admira de como eles conseguiram escrever, de forma
alegre e vibrante, em um contexto histórico desafiador, sem as modernas comodidades,
e em meio aos perigos quotidianos – até mesmo da consabida persecução da
Igreja.
O poema também
suscita a questão de por que a sociedade contemporânea considera a época atual
tão deplorável em comparação com o Medievo, apesar de contar com as precitadas comodidades,
trazidas pelo avanço tecnológico. Auden sugere ainda que a vitalidade e o espírito
radiante dos poetas medievais convertem-nos em fonte de inspiração e em modelos
a seguir, lamentando que não seja capaz de igualar a sua maestria poética.
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
Chaucer, Langland, Douglas, Dunbar, with all your
brother Anons, how on earth did you ever manage,
without anaesthetics or plumbing,
in daily peril from witches, warlocks,
lepers, The Holy Office, foreign mercenaries
burning as they came, to write so cheerfully,
with no grimaces of self-pathos?
Long-winded you could be but not vulgar,
bawdy but not grubby, your raucous flytings (*)
sheer high-spirited fun, whereas our makers,
beset by every creature comfort,
immune, they believe, to all superstitions,
even at their best are so often morose or
kinky, petrified by their gorgon egos.
We all ask, but I doubt if anyone
can really say why all age-groups should find our
Age quite so repulsive. Without its heartless
engines, though, you could not tenant my
book-shelves,
on hand to delect my ear and chuckle
my sad flesh: I would gladly just now be
turning out verses to applaud a thundery
jovial June when the judas-tree is in blossom,
but am forbidden by the knowledge
that you would have wrought them so much better.
Chaucer na Corte de
Eduardo III
(Detalhe)
(Ford Madox Brown:
pintor inglês)
Ode aos Poetas Medievais
Chaucer, Langland,
Douglas, Dunbar, com todos os
vossos irmãos Anônimos,
como foi que conseguistes –
sem anestésicos ou serviços
de saneamento,
sob o perigo diário
de bruxas, de feiticeiros,
de morféticos, do
Santo Ofício, de mercenários estrangeiros
a atear fogo enquanto
investiam – escrever tão alegremente,
sem quaisquer esgares
de autocomiseração?
Prolixos poderíeis ser,
contudo não vulgares;
obscenos, mas não
sórdidos; vossa lírica roufenha e reptadora,
é diversão pura – e
assaz espirituosa –; enquanto nossos autores,
assediados por abundosas
comodidades,
imunes – segundo eles
– a todas as superstições,
mesmo em seu melhor,
são, vezes sem conta, taciturnos ou
digressivos, petrificados
por seus egos de górgona.
Todos se perguntam,
mas duvido que alguém possa realmente
enumerar as razões
pelas quais as diversas faixas etárias
não haveriam de considerar
a nossa era tão repulsiva. Contudo,
sem o seu insensível maquinário,
não poderíeis ocupar
minhas estantes, disponíveis
para deleitar meus ouvidos e rir
furtivamente de
minhas tristes carnes: com gosto estaria agora
a escrever versos
para aclamar um estrondoso
e jovial junho,
quando as olaias estão em flor;
no entanto, estou
impedido, por reconhecer
que vós cumpriríeis
tal encargo muito melhor.
Nota:
(*) “Flyting” ou “fliting”
diz respeito a uma competição que consiste na troca de insultos ou provocações entre
duas partes, amiúde levada a efeito em versos.
Referência:
AUDEN, W. H. Ode to
the medieval poets. In: KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good
poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 205-206.
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