Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

W. H. Auden - Ode aos Poetas Medievais

Eis aqui um panegírico de Auden aos poetas medievais, assim como a outros anônimos vates daquela época: o falante se admira de como eles conseguiram escrever, de forma alegre e vibrante, em um contexto histórico desafiador, sem as modernas comodidades, e em meio aos perigos quotidianos – até mesmo da consabida persecução da Igreja.

 

O poema também suscita a questão de por que a sociedade contemporânea considera a época atual tão deplorável em comparação com o Medievo, apesar de contar com as precitadas comodidades, trazidas pelo avanço tecnológico. Auden sugere ainda que a vitalidade e o espírito radiante dos poetas medievais convertem-nos em fonte de inspiração e em modelos a seguir, lamentando que não seja capaz de igualar a sua maestria poética.

 

J.A.R. – H.C.

 

W. H. Auden

(1907-1973)

 

Ode to the Medieval Poets

 

Chaucer, Langland, Douglas, Dunbar, with all your

brother Anons, how on earth did you ever manage,

without anaesthetics or plumbing,

in daily peril from witches, warlocks,

 

lepers, The Holy Office, foreign mercenaries

burning as they came, to write so cheerfully,

with no grimaces of self-pathos?

Long-winded you could be but not vulgar,

 

bawdy but not grubby, your raucous flytings (*)

sheer high-spirited fun, whereas our makers,

beset by every creature comfort,

immune, they believe, to all superstitions,

 

even at their best are so often morose or

kinky, petrified by their gorgon egos.

We all ask, but I doubt if anyone

can really say why all age-groups should find our

 

Age quite so repulsive. Without its heartless

engines, though, you could not tenant my book-shelves,

on hand to delect my ear and chuckle

my sad flesh: I would gladly just now be

 

turning out verses to applaud a thundery

jovial June when the judas-tree is in blossom,

but am forbidden by the knowledge

that you would have wrought them so much better.

 

Chaucer na Corte de Eduardo III

(Detalhe)

(Ford Madox Brown: pintor inglês)

 

Ode aos Poetas Medievais

 

Chaucer, Langland, Douglas, Dunbar, com todos os

vossos irmãos Anônimos, como foi que conseguistes –

sem anestésicos ou serviços de saneamento,

sob o perigo diário de bruxas, de feiticeiros,

 

de morféticos, do Santo Ofício, de mercenários estrangeiros

a atear fogo enquanto investiam – escrever tão alegremente,

sem quaisquer esgares de autocomiseração?

Prolixos poderíeis ser, contudo não vulgares;

 

obscenos, mas não sórdidos; vossa lírica roufenha e reptadora,

é diversão pura – e assaz espirituosa –; enquanto nossos autores,

assediados por abundosas comodidades,

imunes – segundo eles – a todas as superstições,

 

mesmo em seu melhor, são, vezes sem conta, taciturnos ou

digressivos, petrificados por seus egos de górgona.

Todos se perguntam, mas duvido que alguém possa realmente

enumerar as razões pelas quais as diversas faixas etárias

 

não haveriam de considerar a nossa era tão repulsiva. Contudo,

sem o seu insensível maquinário, não poderíeis ocupar

minhas estantes, disponíveis para deleitar meus ouvidos e rir

furtivamente de minhas tristes carnes: com gosto estaria agora

 

a escrever versos para aclamar um estrondoso

e jovial junho, quando as olaias estão em flor;

no entanto, estou impedido, por reconhecer

que vós cumpriríeis tal encargo muito melhor.

 

Nota:

 

(*) “Flyting” ou “fliting” diz respeito a uma competição que consiste na troca de insultos ou provocações entre duas partes, amiúde levada a efeito em versos.

 

Referência:

 

AUDEN, W. H. Ode to the medieval poets. In: KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 205-206.

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