Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 19 de outubro de 2024

Francisco Brines - Palavras fatídicas

Nestes versos, Brines parece haver transcrito um diálogo interno, ao longo do qual o sujeito lírico exprime o evoluir da sua percepção e compreensão da vida, desde uma etapa inicial em que tudo é certeza e plenitude, até um momento no qual lhe sobrevém um hiato de indeterminação e o confronto com a realidade, a revelar o quanto de ambivalência há naquilo que assume por verdade – a um só tempo amiga e inimiga.

 

Diz o falante que o ponto crucial de sua vida – aquele adjetivado como “glorioso” – ocorreu quando passou a negar as crenças estabelecidas e a rebelar-se contra as estruturas de poder, simbolizadas pelas “torres de Deus” e “muralhas dos homens”: com o debilitar da fé e a minoração das certezas, difícil é se manter firme no embate contra as perversidades do mundo, considerando que o espírito passa a vagar por nuvens caliginosas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Francisco Brines

(1932-2021)

 

Palabras aciagas

 

Mirabas el mundo,

creías, era la fe. Fue la vida

el luminoso encuentro del espíritu con la verdad,

era lo mismo que la alegría de la carne.

Ibas ebrio, de ti mismo brotaba la fuente de la vida;

crecer era un rumor del aire, dijérase

que era turbar el tiempo,

y aprendiste a mirar la transparencia de la noche

y a tocar con los labios la luz,

cuando de ti brotó la negación primera.

Derribaste, a escondidas, las torres de Dios,

los muros de los hombres con menor esfuerzo. Fuiste glorioso,

culminó allí tu vida.

 

Son ahora muy pocas las creencias,

y para enfrentarse a la ruindad vergonzosa del mundo

la llama de tu espíritu es mezquina,

y estás en la edad de los hombres.

¿Qué salvarás, si esa verdad tuya

– la que hará de ti un héroe, ayudada del azar,

o un traidor –

es a la vez amiga y enemiga?

No vuelvas la pesadumbre de tus ojos

a los demás; nadie podrá ayudarte

en esta hora de amargura.

Los hombres hoy sólo te ofrecen amor

como tú a ellos en otras ocasiones.

 

En la soledad has escrito estas palabras

y estás ardiendo:

húndelas en la oscuridad.

 

En: “Palabras a la obscuridad” (1966)

 

O último homem

(John Martin: pintor inglês)

 

Palavras fatídicas

 

Contemplavas o mundo,

acreditavas, era a fé. Foi a vida

o luminoso encontro do espírito com a verdade,

o que se equiparava à alegria da carne.

Andavas ébrio, de ti mesmo brotava a fonte da vida;

crescer era um murmúrio do ar, dir-se-ia

que era um revolver do tempo,

e aprendeste a olhar a transparência da noite

e a tocar a luz com os lábios,

quando de ti brotou a negação primeira.

Demoliste, às escondidas, as torres de Deus

e, com menor esforço, as muralhas dos homens. Foste glorioso,

ali culminou a tua vida.

 

Agora as crenças são muito poucas

e, para enfrentar a vergonhosa maldade do mundo,

mesquinha é a chama de teu espírito,

e estás na idade dos homens.

O que salvarás, se essa tua verdade

– a que, assistida pelo acaso, há de fazer de ti um herói

ou um traidor –

é a um só tempo amiga e inimiga?

Não lances o pesar dos teus olhos

sobre os outros; ninguém te poderá ajudar

nesta hora de amargura.

Os homens hoje só te oferecem amor,

como lhes ofereceste noutros tempos.

 

Na solidão, escreveste estas palavras

e estás a arder:

afunda-as na escuridão.

 

Em: “Palavras à escuridão” (1966)

 

Referência:

 

BRINES, Francisco. Palabras aciagas. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo de José Olivio Jiménez. Madrid, ES: Alizanza Editorial, 1986. p. 89-90. (El Libro de Bolsillo; Sección: Literatura)

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