Nestes versos, Brines
parece haver transcrito um diálogo interno, ao longo do qual o sujeito lírico
exprime o evoluir da sua percepção e compreensão da vida, desde uma etapa
inicial em que tudo é certeza e plenitude, até um momento no qual lhe sobrevém um
hiato de indeterminação e o confronto com a realidade, a revelar o quanto de ambivalência
há naquilo que assume por verdade – a um só tempo amiga e inimiga.
Diz o falante que o
ponto crucial de sua vida – aquele adjetivado como “glorioso” – ocorreu quando
passou a negar as crenças estabelecidas e a rebelar-se contra as estruturas de
poder, simbolizadas pelas “torres de Deus” e “muralhas dos homens”: com o
debilitar da fé e a minoração das certezas, difícil é se manter firme no embate
contra as perversidades do mundo, considerando que o espírito passa a vagar por nuvens
caliginosas.
J.A.R. – H.C.
Francisco Brines
(1932-2021)
Palabras aciagas
Mirabas el mundo,
creías, era la fe.
Fue la vida
el luminoso encuentro
del espíritu con la verdad,
era lo mismo que la
alegría de la carne.
Ibas ebrio, de ti
mismo brotaba la fuente de la vida;
crecer era un rumor
del aire, dijérase
que era turbar el
tiempo,
y aprendiste a mirar
la transparencia de la noche
y a tocar con los
labios la luz,
cuando de ti brotó la
negación primera.
Derribaste, a
escondidas, las torres de Dios,
los muros de los
hombres con menor esfuerzo. Fuiste glorioso,
culminó allí tu vida.
Son ahora muy pocas
las creencias,
y para enfrentarse a
la ruindad vergonzosa del mundo
la llama de tu espíritu
es mezquina,
y estás en la edad de
los hombres.
¿Qué salvarás, si esa
verdad tuya
– la que hará de ti
un héroe, ayudada del azar,
o un traidor –
es a la vez amiga y
enemiga?
No vuelvas la
pesadumbre de tus ojos
a los demás; nadie
podrá ayudarte
en esta hora de
amargura.
Los hombres hoy sólo
te ofrecen amor
como tú a ellos en
otras ocasiones.
En la soledad has
escrito estas palabras
y estás ardiendo:
húndelas en la
oscuridad.
En: “Palabras a la
obscuridad” (1966)
O último homem
(John Martin: pintor
inglês)
Palavras fatídicas
Contemplavas o mundo,
acreditavas, era a
fé. Foi a vida
o luminoso encontro
do espírito com a verdade,
o que se equiparava à
alegria da carne.
Andavas ébrio, de ti
mesmo brotava a fonte da vida;
crescer era um
murmúrio do ar, dir-se-ia
que era um revolver
do tempo,
e aprendeste a olhar
a transparência da noite
e a tocar a luz com
os lábios,
quando de ti brotou a
negação primeira.
Demoliste, às
escondidas, as torres de Deus
e, com menor esforço,
as muralhas dos homens. Foste glorioso,
ali culminou a tua
vida.
Agora as crenças são
muito poucas
e, para enfrentar a
vergonhosa maldade do mundo,
mesquinha é a chama
de teu espírito,
e estás na idade dos
homens.
O que salvarás, se
essa tua verdade
– a que, assistida
pelo acaso, há de fazer de ti um herói
ou um traidor –
é a um só tempo amiga
e inimiga?
Não lances o pesar dos
teus olhos
sobre os outros; ninguém
te poderá ajudar
nesta hora de amargura.
Os homens hoje só te
oferecem amor,
como lhes ofereceste
noutros tempos.
Na solidão,
escreveste estas palavras
e estás a arder:
afunda-as na
escuridão.
Em: “Palavras à
escuridão” (1966)
Referência:
BRINES, Francisco.
Palabras aciagas. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo
de José Olivio Jiménez. Madrid, ES: Alizanza Editorial, 1986. p. 89-90. (El
Libro de Bolsillo; Sección: Literatura)
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