Às voltas com o
divino e as dificuldades de compreendê-lo satisfatoriamente, o poeta externaliza
a comum constatação de que Deus se encontra muito além de nosso tirocínio, bem
assim das etiquetas humanas que costumamos lhe atribuir: qual o seu rosto – se
é que tem algum – e sua essência, na hipótese de nos ser dado conhecer, a partir
de nossa acanhada percepção?!
Veja, internauta, a
ambiguidade do raciocínio subsumido à segunda estrofe do soneto: o falante diz haver
renunciado a amar Deus, mas ao mesmo tempo reconhece a importância de amá-lo,
instigado por uma busca interior jungida ao interesse maior de conhecê-lo, afastadas,
seja como for, todas as enganosas e triviais abordagens antropomórficas.
A ideia que se
expressa no derradeiro verso do poema – a de que Deus não renunciará ao ente lírico
– acaba por evidenciar a presença constante do divino na vida ou na mente do
falante, reverberando, de algum modo, as palavras de Rilke em “Deus, que será
de ti quando eu morrer?” (v. aqui).
“Deus! ó Deus! onde
estás que não respondes?”, diria o consagrado vate baiano. E outro baiano,
nosso contemporâneo, reitera com mais do que palpável acerto: “Mesmo a quem não
tem fé, a fé costuma acompanhar, pelo sim, pelo não!”
J.A.R. – H.C.
José Régio
(1901-1969)
Ignoto Deo
Desisti de saber qual
é Teu nome,
Se tens ou não tens
nome que Te demos,
Ou que rosto é que
toma, se algum tome,
Teu Sopro tão além de
quanto vemos.
Desisti de Te amar,
por mais que a fome
Do Teu amor nos seja
o mais que temos,
E empenhei-me em
domar, nem que os não dome.
Meus, por Ti,
passionais e vãos extremos.
Chamar-Te amante ou
pai..., grotesco engano
Que por demais tresanda
a gosto humano!
Grotesco engano o
dar-te forma! E enfim,
Desisti de Te achar
no quer que seja.
De Te dar nome,
rosto, culto, ou igreja...
– Tu é que não
desistirás de mim!
Em: “Biografia” (1929)
Sacrifício ao Deus
Desconhecido
(Jan Frans Cornelissen:
tapeceiro flamengo)
Referência:
RÉGIO, José. Ignoto
deo. In: __________. Antologia. Seleção e organização de Cleonice
Berardinelli. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, nov. 1985. p. 85.
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