Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Miguel Hernández - Cheios carrego meus ossos de dor

O poeta metaforiza o seu estado emocional, suas preocupações mentais, com imagens associadas ao mar, em íntima conexão com a organicidade de seu próprio corpo: emoções e pensamentos rebentam feito maré, como ondas de afluência e de recesso sobre as areias porosas de uma praia, em penoso moto-contínuo.

 

Num ar de desolação e de desesperança, o falante sente-se como se estivesse perdido num naufrágio, em meio à escuridão, refletindo o matiz monotônico e caliginoso de sua existência: somente o afeto de sua amada seria capaz de redimi-lo, servindo-lhe como tábua de salvação, uma bússola orientadora apontando para o “norte” de algum sentido categórico para a vida.

 

J.A.R. – H.C.

 

Miguel Hernández

(1910-1942)

 

Tengo estos huesos hechos a las penas

 

Tengo estos huesos hechos a las penas

y a las cavilaciones estas sienes:

pena que vas, cavilación que vienes

como el mar de la playa a las arenas.

 

Como el mar de la playa a las arenas,

voy en este naufragio de vaivenes

por una noche oscura de sartenes

redondas, pobres, tristes y morenas.

 

Nadie me salvará de este naufragio

si no es tu amor, la tabla que procuro,

si no es tu voz, el norte que pretendo.

 

Eludiendo por eso el mal presagio

de que ni en ti siquiera habré seguro,

voy entre pena y pena sonriendo.

 

En: “El rayo que no cesa” (1936)

 

Naufrágio do “Ancon”

em Loring Bay, Alasca

(Albert Bierstadt: pintor germano-americano)

 

Cheios carrego meus ossos de dor

 

Cheios carrego meus ossos de dor

e minhas têmporas, de adorações:

dor se vais, louvor se és a meu redor

mar junto à praia, em oscilações.

 

Mar junto à praia, em oscilações,

neste naufrágio vou, de ir e vir,

durante uma noite obscura a frigir

em negros tachos pobres decepções.

 

Ninguém me salvará deste naufrágio

senão teu amor, tábua que procuro,

senão tua voz, o norte que pretendo.

 

Enganando assim o mal presságio

de que nem contigo serei seguro,

de pena a pena me vou entretendo.

 

Em: “O raio que não cessa” (1936)

 

Referência:

 

HERNÁNDEZ, Miguel. Tengo estos huesos hechos a las penas / Cheios carrego meus ossos de dor. Tradução de Alexandre Pilati. In: __________. O raio que não cessa. Tradução de Alexandre Pilati. Brasília, DF: Editora da UnB, 2022. Em espanhol: p. 56; em português: p. 57. (Coleção ‘Poetas do Mundo’)

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