O poeta metaforiza o
seu estado emocional, suas preocupações mentais, com imagens associadas ao mar,
em íntima conexão com a organicidade de seu próprio corpo: emoções e
pensamentos rebentam feito maré, como ondas de afluência e de recesso sobre as
areias porosas de uma praia, em penoso moto-contínuo.
Num ar de desolação e
de desesperança, o falante sente-se como se estivesse perdido num naufrágio, em
meio à escuridão, refletindo o matiz monotônico e caliginoso de sua existência:
somente o afeto de sua amada seria capaz de redimi-lo, servindo-lhe como tábua
de salvação, uma bússola orientadora apontando para o “norte” de algum sentido categórico
para a vida.
J.A.R. – H.C.
Miguel Hernández
(1910-1942)
Tengo estos huesos
hechos a las penas
Tengo estos huesos
hechos a las penas
y a las cavilaciones
estas sienes:
pena que vas,
cavilación que vienes
como el mar de la
playa a las arenas.
Como el mar de la
playa a las arenas,
voy en este naufragio
de vaivenes
por una noche oscura
de sartenes
redondas, pobres,
tristes y morenas.
Nadie me salvará de
este naufragio
si no es tu amor, la
tabla que procuro,
si no es tu voz, el
norte que pretendo.
Eludiendo por eso el
mal presagio
de que ni en ti
siquiera habré seguro,
voy entre pena y pena
sonriendo.
En: “El rayo que no
cesa” (1936)
Naufrágio do “Ancon”
em Loring Bay, Alasca
(Albert Bierstadt: pintor
germano-americano)
Cheios carrego meus
ossos de dor
Cheios carrego meus
ossos de dor
e minhas têmporas, de
adorações:
dor se vais, louvor
se és a meu redor
mar junto à praia, em
oscilações.
Mar junto à praia, em
oscilações,
neste naufrágio vou,
de ir e vir,
durante uma noite
obscura a frigir
em negros tachos
pobres decepções.
Ninguém me salvará
deste naufrágio
senão teu amor, tábua
que procuro,
senão tua voz, o norte
que pretendo.
Enganando assim o mal
presságio
de que nem contigo
serei seguro,
de pena a pena me vou
entretendo.
Em: “O raio que não
cessa” (1936)
Referência:
HERNÁNDEZ, Miguel. Tengo
estos huesos hechos a las penas / Cheios carrego meus ossos de dor. Tradução de
Alexandre Pilati. In: __________. O raio que não cessa. Tradução de
Alexandre Pilati. Brasília, DF: Editora da UnB, 2022. Em espanhol: p. 56; em
português: p. 57. (Coleção ‘Poetas do Mundo’)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário