O poeta retrata imagens
vívidas e comoventes dos efeitos que uma guerra pode ter sobre um grupo de
pessoas que a ela se exponha, infligindo-lhe obstáculos para enfrentar desafios,
em razão das mutilações e outras restrições físicas ocasionadas pelo potente
arsenal bélico em uso, agora – como nunca – a arregimentar para os campos de batalha
os últimos desenvolvimentos tecnológicos e da inteligência artificial.
A universalidade dessas
enfermidades no cenário imaginado por Simic – não só as de ordem anatômica,
como também as decorrentes de eventuais cegueira e surdez – tem o condão de
amplificar a sensação de isolamento a que ficam expostos os destituídos de
integridade física, os quais ou bem desenvolvem perseverança e resiliência para
se adaptarem a um mundo projetado para pessoas saudáveis, ou bem se resignam à ideia
de dependência dos outros ou de apoio externo para seguirem em frente.
J.A.R. – H.C.
Charles Simic
(1938-2023)
Great infirmities
Everyone has only one
leg.
So difficult to get
around,
So difficult to climb
the stairs
Without a cane or crutch
to our name.
And only one arm.
Impossible contortions
Just to embrace the
one you love,
To cut the bread on
the table,
To put a coat on in a
hurry.
I should mention that
we are almost blind,
And a little deaf in
both ears.
Perilous to be on the
street
Among the
congregations of the afflicted.
With only a few steps
committed to memory,
Meekly we let
ourselves be diverted
In the endless
twilight –
Blind seeing-eye dogs
on our leashes.
An immense stillness
everywhere
With the trees always
bare,
The raindrops coming
down only halfway,
Coming so close and
giving up.
In: “Classic Ballroom
Dances” (1990)
Les Invalides, Paris
(Henry Ossawa Tanner:
pintor norte-americano)
Grandes enfermidades
Todos têm só uma
perna.
É tão difícil evitar
ou subir
Os degraus da escada,
sem bengala
Ou muleta que nos
sustente o nome.
E também só um braço.
Impossíveis contorções
Para enlaçar a quem
se ama,
Cortar o pão sobre a
mesa,
Vestir um casaco às
pressas.
Eu diria que somos
quase cegos,
E algo surdos de
ambos os ouvidos.
É perigoso andar nas
ruas
Entre congregações de
aflitos.
Com apenas alguns
degraus destinados à memória,
Docilmente nos
deixamos dispersar
No crepúsculo sem
fim: cães
De olhos vazios em
nossas correntes.
Uma imensa quietude
em toda parte
Com as árvores sempre
nuas,
Os pingos da chuva a cair
só pela metade,
A cair tão próximos e
tão desamparados.
Em: “Danças de Salão
Clássicas” (1990)
Referência:
SIMIC, Charles. Great
infirmities / Grandes enfermidades. Tradução de Ivan Junqueira. Poesia
sempre: revista semestral de poesia.
Publicação da Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (RJ), ano 2, n. 3,
fev. 1994. Em inglês: p. 50; em português: p. 51.
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