Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Robert Frost - Bétulas

Não é que a realidade seja sempre insuportável para um adulto, mas, vez por outra, sentimos a necessidade de devanear como se fôssemos ainda pirralhos: veja o leitor até onde vai a inventividade de Frost, ao cotejar a imagem de um garoto galgando uma bétula até o topo e a vergando ao solo, num incidente que, concretamente, costuma resultar do impacto das tempestades de granizo.

 

Mais que as bétulas propriamente ditas, o que importa é o movimento de ir e vir, o impulso para oscilar entre a terra e o céu, entre o que é realidade e o que dimana da fantasia, a evasão e o regresso a este mundo regido pelos fatos: nunca é de bom alvitre que nos tornemos 100%s nefelibatas, mas empreender eventuais “viagens” à galáxia da imaginação pode dar suporte a ações capazes de tornar este mundo um lugar um pouco melhor para se viver!

 

J.A.R. – H.C.

 

Robert Frost

(1874-1963)

 

Birches

 

When I see birches bend to left and right

Across the lines of straighter darker trees,

I like to think some boy’s been swinging them.

But swinging doesn’t bend them down to stay

As ice-storms do. Often you must have seen them

Loaded with ice a sunny winter morning

After a rain. They click upon themselves

As the breeze rises, and turn many-colored

As the stir cracks and crazes their enamel.

Soon the sun’s warmth makes them shed crystal shells

Shattering and avalanching on the snow-crust –

Such heaps of broken glass to sweep away

You’d think the inner dome of heaven had fallen.

They are dragged to the withered bracken by the load,

And they seem not to break; though once they are bowed

So low for long, they never right themselves:

You may see their trunks arching in the woods

Years afterwards, trailing their leaves on the ground

Like girls on hands and knees that throw their hair

Before them over their heads to dry in the sun.

But I was going to say when Truth broke in

With all her matter-of-fact about the ice-storm

I should prefer to have some boy bend them

As he went out and in to fetch the cows –

Some boy too far from town to learn baseball,

Whose only play was what he found himself,

Summer or winter, and could play alone.

One by one he subdued his father’s trees

By riding them down over and over again

Until he took the stiffness out of them,

And not one but hung limp, not one was left

For him to conquer. He learned all there was

To learn about not launching out too soon

And so not carrying the tree away

Clear to the ground. He always kept his poise

To the top branches, climbing carefully

With the same pains you use to fill a cup

Up to the brim, and even above the brim.

Then he flung outward, feet first, with a swish,

Kicking his way down through the air to the ground.

So was I once myself a swinger of birches.

And so I dream of going back to be.

It’s when I’m weary of considerations,

And life is too much like a pathless wood

Where your face burns and tickles with the cobwebs

Broken across it, and one eye is weeping

From a twig’s having lashed across it open.

I’d like to get away from earth awhile

And then come back to it and begin over.

May no fate willfully misunderstand me

And half grant what I wish and snatch me away

Not to return. Earth’s the right place for love:

I don’t know where it’s likely to go better.

I’d like to go by climbing a birch tree,

And climb black branches up a snow-white trunk

Toward heaven, till the tree could bear no more,

But dipped its top and set me down again.

That would be good both going and coming back.

One could do worse than be a swinger of birches.

 

In: “Mountain Interval” (1916)

 

Bétulas na Califórnia

(Roz Dorlen: pintora norte-americana)

 

Bétulas

 

Quando vejo bétulas se curvarem à esquerda e à direita

Nos renques de árvores mais alinhadas e escuras,

Inclino-me a pensar que algum garoto as está agitando.

Mas o agitar não as verga até o ponto como o fazem

As tempestades de granizo. Amiúde, são vistas cobertas

Por cristais de gelo numa ensolarada manhã de inverno,

Depois de um aguaceiro. Estalidam sobre si mesmas

Quando se acirra a brisa, tornando-se iridescentes

À medida que o vaivém lhes trinca e craquela o esmalte.

Logo o calor do sol fá-las desprender as camadas de cristal

Que se estilhaçam e arremetem sobre a crosta da neve –

Como se fossem pilhas de vidro partido por varrer

Caso, por suposto, se rompesse a cúpula interna do céu.

A carga as encurva em direção ao matagal ressequido,

Mas parecem não espedaçar; muito embora, se arqueadas

Em tal grau e por muito tempo, não retornem ao prumo:

Pode-se ver seus troncos arqueando-se nos bosques

Anos mais tarde, a arrastarem suas folhas pelo chão,

Como jovens, apoiadas em mãos e joelhos, com os cabelos

à frente de seus rostos, para que sequem sob a luz do sol.

Mas, antes que a Verdade me interrompesse com todas

As suas questões de fato sobre tempestades de granizo,

Queria eu dizer que preferiria que algum rapazote

As tivesse arqueado, ao sair e entrar para buscar as vacas –

Um garoto longe demais da cidade para treinar beisebol,

Cujo único lazer fosse qualquer um com que se deparasse,

Quer no verão quer no inverno, para se divertir sozinho.

Uma após outra, ele subjugaria as árvores do pai,

Cavalgando-as repetidas vezes para fletirem rumo ao chão,

Até que lhes fosse suprimido qualquer traço de rigidez,

Nenhuma a restar com a textura firme ou que sobrasse

Para uma futura conquista. Aprenderia tudo o houvesse

A aprender sobre como não se lançar cedo demais

Para, desse modo, não impelir diretamente a árvore

De encontro ao solo. Sempre manteria o aprumo ao subir

Até os galhos mais altos, escalando-os comedidamente

Com o mesmo cuidado com que se enche um copo

Até a borda, e até mesmo para além da borda.

E então saltaria para fora, os pés à frente, com um zunido,

Escoiceando seu caminho pelo ar até chegar ao chão.

Também já fui um dia um balouçador de bétulas.

E assim eu sonho em voltar a ser um deles outra vez.

É quando estou cansado de todas as ponderações,

E a vida muito se parece a um bosque sem trilhas,

Onde o rosto arde e sente cócegas com as teias de aranha

Que sobre ele se rompem, e um olho desprotegido

Deita lágrimas quando fustigado pelas ramagens.

Quisera me distanciar da terra por algum tempo,

Para depois retornar a ela e encetar um novo começo.

Que nenhum destino adredemente me interprete mal

Concedendo-me apenas meio desejo, arrebatando-me

Para não regressar. A terra é o lugar certo para o amor:

Desconheço onde haja mais chances de ser melhor.

Quisera meter-me em aventuras ao escalar uma bétula,

Galgando ramas negras num tronco branco como a neve,

Rumo ao céu, até que a árvore, sem poder me aguentar,

O seu topo inclinasse para me colocar de novo no chão.

Isso seria bom tanto para ir quanto para voltar.

Há coisas bem piores do que ser um balouçador de bétulas.

 

Em: “Pausa na Montanha” (1916)

 

Referência:

 

FROST, Robert. Birches. In: __________. Complete poems of Robert Frost. Seventeenth Printing. New York, NY: Holt, Rinehart and Winston, 1964. p. 152-153.

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