O ser a preceder a
sucessão dos dias e da noite, o silêncio profundo antes das palavras, árvore
que se movimenta à frente de todo um bosque a albergar o velado sonho de beleza,
de cujas fontes, uma vez internalizadas pelo espírito, saem os impulsos que permitem
ao ente lírico reluzir, entre águas e espelhos, a “lâmina das visões” (após o
que, já agora desperto, entra em latência para outra presumida temporada transmutadora).
Os versos, a rigor, enfatizam
a assunção da árvore como símbolo de um organismo vivo a sofrer os impactos das
estações do ano, com suas breves ou delongadas transformações, algo não tão
distinto quanto a metamorfose – não intensamente física, mas sobretudo anímica –
que se passa com o ser humano, sempre em busca de apurar sua identidade ao longo
de um incessante processo recriador.
J.A.R. – H.C.
Adonis
(n. 1930)
Árvore do dia e da
noite
Antes que o dia venha
chego
antes que se pergunte
pelo sol ilumino
árvores vêm correndo
atrás de mim
andam à minha sombra
cálices de flor
e o delírio em meu
rosto ergue
ilhas e penhascos de silêncio
cujas portas a
palavra desconhece
se ilumina a noite
amiga e se esquecem
no meu leito os dias,
depois, quando as
fontes rolarem no meu peito
desabotoarem as
vestes e dormirem
acordarei a água e os
espelhos, e reluzirei
como eles, a lâmina
das visões
então eu durmo.
Sem título
(Johannes H. Vloothuis:
artista canadense)
Referência:
ADONIS. Antes do dia
e da noite. Tradução de Michel Sleiman. In: __________. Poemas.
Organização e tradução de Michel Sleiman. Apresentação de Milton Hatoum. 1. ed.
São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. p. 89.
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