Mistral nos fala de
um dom que é o da palavra, encerrado numa taça dadivosa, exteriorização, em boa
parte, daquilo que lhe vai na interioridade do ser, sabedoria por indícios e algo
espontânea, a assomar feito “mentira” quando convertida em júbilo, levando-a a
um estado de prostração – residência primaz da angústia e do medo.
É como se autora
reconhecesse os limites da palavra e estivesse indo de encontro aos pilares do
incomunicável: o dom, conteúdo do cálice, esbate-se com a ideia de totalidade,
de memória, de imortalidade, mesmo porque essa “poção mágica” não se mostra
capaz de todos os poderes, tampouco um vasto rol de ações conseguiria frustrar a
irrefreável decantação da poeira dos tempos.
J.A.R. – H.C.
Gabriela Mistral
(1889-1957)
La Copa
Yo he llevado una
copa
de una isla a otra
isla sin despertar el agua.
Si la vertía, una sed
traicionaba;
por una gota, el don
era caduco;
perdida toda, el
dueño lloraría.
No saludé las
ciudades;
no dije elogio a su
vuelo de torres,
no abrí los brazos en
la gran Pirámide
ni fundé casa con
corro de hijos.
Pero entregando la
copa, yo dije
con el sol nuevo
sobre mi garganta:
– “Mis brazos ya son
libres como nubes sin dueño
y mi cuello se mece
en la colina,
de la invitación de
los vales”.
Mentira fue mi
aleluya: miradme.
Yo tengo la vista
caída a mis palmas;
camino lenta, sin
diamante de agua;
callada voy, y no
llevo tesoro,
¡y me tumba en el pecho
y los pulsos
la sangre batida de
angustia y de miedo!
En: “Tala” (1938)
Cerejas e Cálice de
Prata
(Julian Merrow-Smith:
pintor inglês)
A Taça
Eu conduzi uma taça
de uma ilha a outra
ilha sem despertar água.
Se a derramasse, à
sede atraiçoava;
por uma gota, o dom
era caduco;
perdida toda, o dono
choraria.
Não saudei as
cidades;
não fiz o elogio do
seu voo de torres,
não abri os braços na
grande Pirâmide,
nem fundei casa com
bando de filhos.
Mas, entregando a
taça, eu disse:
[com o sol novo sobre
minha garganta:](*)
– “Meus braços já são
livres como nuvens sem dono,
e embala-se meu colo
na colina,
ao convite dos
vales”.
Mentira foi minha
aleluia: vede-me.
Eu tenho caída sobre
as mãos a vista;
caminho lenta, sem
diamante de água;
calada vou, e não
levo tesouro,
e me tomba no peito e
nos pulsos
o sangue batido de
angústia e de medo!
Em: “Abatimento” (1938)
Nota:
(*) Este verso, em
tradução literal, de fato não consta na tradução de Aurélio Buarque de Holanda.
Referências:
Em Espanhol
MISTRAL, Gabriela. La
copa. In: __________. Selected poems of Gabriela Mistral. A bilingual
edition: spanish x english. Translated by Ursula K. Le Guin. 1st ed. Albuquerque,
NM: University of New Mexico Press, 2003. p. 134.
Em Português
MISTRAL, Gabriela. A
taça. Tradução de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. In: FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro, RJ: José
Olympio; Brasília, DF: Instituto Nacional do Livro, 1979. p. 199.
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