Por meio destes
versos, Pasolini expressa todo o seu pessimismo em relação à geração de jovens caudatária
das jornadas de 68 – sobretudo na Itália –, geração alheada que, abandonando a beleza
tradicional da arte – e da poesia em especial –, acabou por fomentar no país a
disseminação de um ideário americanizado de cultura, não exatamente
revolucionário, senão quando muito reformista.
É de se presumir que
Pasolini não esteja a apregoar a necessidade de um retorno à linguagem
tradicional do passado, mas que também não se cortem os laços com aquilo que se
tem por genuína identidade cultural, pois que, de outro modo, a voragem da
massificação tende a ganhar força sem quaisquer resistências, num ‘continuum’
de gerações aburguesadas que, no fundo, “obedecem”, a despeito de, eventualmente,
externalizarem “desobediências”.
J.A.R. – H.C.
Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)
La poesia della
tradizione
Oh generazione
sfortunata!
Cosa succederà
domani, se tale classe dirigente –
quando furono alle
prime armi
non conobbero la
poesia della tradizione
ne fecero
un’esperienza infelice perché senza
sorriso realistico
gli fu inaccessibile
e anche per quel poco
che la conobbero, dovevano dimostrare
di voler conoscerla
sì ma con distacco, fuori dal gioco.
Oh generazione
sfortunata!
che nell’inverno del
‘70 usasti cappotti e scialli fantasiosi
e fosti viziata
chi ti insegnò a non
sentirti inferiore –
rimuovesti le tue
incertezze divinamente infantili –
che non è aggressivo
è nemico del popolo! Ah!
I libri, i vecchi
libri passarono sotto i tuoi occhi
come oggetti di un
vecchio nemico
sentisti l’obbligo di
non cedere
davanti alla bellezza
nata da ingiustizie dimenticate
fosti in fondo votata
ai buone sentimenti
da cui ti difendevi
come dalla bellezza
con l’odio razziale
contro la passione;
venisti al mondo, che
è grande eppure così semplice,
e vi trovasti chi
rideva della tradizione,
e tu prendeste alla
lettera tale ironia fintamente ribalda,
erigendo barriere
giovanili contro la classe dominante del passato
la gioventù passa
presto; oh generazione sfortunata,
arriverai alla mezza
età e poi alla vecchiaia
senza aver goduto ció
che avevi diritto di godere
e che non si gode
senza ansia e umiltà
e così capirai di
aver servito il mondo
contro cui con zelo
“portasti avanti la lotta”:
era esso che voleva
gettar discredito sopra la storia – la sua;
era esso che voleva
far piazza pulita del passato – il suo;
oh generazione
sfortunata, e tu obbedisti disobbedendo!
Era quel mondo a
chiedere ai suoi nuove figli di aiutarlo
a contraddirsi, per
continuare;
vi troverete vecchi
senza l’amore per i libre e la vita:
perfetti abitanti di
quel mondo rinnovato
attraverso le sue
reazioni e repressioni, sì, sì, è vero,
ma soprattutto
attraverso voi, che vi siete ribellati
proprio come esso
voleva, Automa in quanto Tutto;
non vi si riempirono
gli occhi di lacrime
contro un Battistero
con caporioni e garzoni
intenti di stagione
in stagione
né lacrime aveste per
un’ottava del Cinquecento,
né lacrime
(intellettuali, dovute alla pura ragione)
non conosceste o non
riconosceste i tabernacoli degli antenati
né le sedi dei padri
padroni, dipinte da
– e tutte le altre
sublime cose
non vi farà trasalire
(con quelle lacrime brucianti)
il verso di un
anonimo poeta simbolista morto nel
la lotta di classe vi
cullò e vi impedì di piangere:
irrigiditi contro
tutto ciò che non sapesse di buoni sentimenti
e di aggressività
disperata
passaste una
giovinezza
e, se eravate
intellettuali,
non voleste dunque esserlo
fino in fondo,
mentre questo era poi
fra i tanto il vostro vero dovere,
e perché compiste
questo tradimento?
per amore
dell’operaio: ma nessuno chiede a un operaio
di non essere operaio
fino in fondo
gli operai non
piansero davanti ai capolavori
ma non perpetrarono
tradimenti che portano al ricatto
e quindi
all’infelicità
oh sfortunata
generazione
piangerai, ma di
lacrime senza vita
perché forse non
saprai neanche riandare
a ciò che non avendo
avuto non hai neanche perduto;
povera generazione
calvinista come alle origini della borghesia
fanciullescamente
pragmatica, puerilmente attiva
tu hai cercato
salvezza nell’organizzazione
(che non può altro
produrre che altra organizzazione)
e hai passato i
giorni della gioventù
parlando il
linguaggio della democrazia burocratica
non uscendo mai dalla
ripetizione delle formule,
ché organizzar
significar per verba non si poria,
ma per formule sì,
ti troverai a usare
l’autorità paterna in balia dei potere
imparlabile che ti ha
voluta contro il potere,
generazione sfortunata?
Io invecchiando vidi
le vostre teste piene di dolore
dove vorticava
un’idea confusa, un’assoluta certezza,
una presunzione di
eroi destinati a non morire –
oh ragazzi
sfortunati, che avete visto a portata di mano
una meravigliosa vittoria
che non esisteva!
In: “Trasumanar e
organizzar” (1971)
Um grupo de
escritores
(Cathleen S. Mann:
pintora inglesa)
A poesia da tradição
Oh, geração
desventurada!
O que vai acontecer
amanhã se esta classe dirigente –
quando deram os primeiros
combates
não conheciam a
poesia da tradição
tiveram dela uma
experiência infeliz porque sem
um sorriso realista
ela lhe era inacessível
e também, pelo pouco
que a conheceram, precisavam mostrar
que queriam
conhecê-la, sim, mas com distanciamento, fora do jogo.
Oh, geração
desventurada!
que no inverno de 70
usou casacos e xales de fantasia
e cresceu mimada,
quem lhe ensinou a
não se sentir inferior –
você removeu suas
incertezas divinamente infantis –
quem não é agressivo
é inimigo do povo! Ah!
Os livros, os velhos
livros passaram sob seus olhos
como objetos de um
velho inimigo
e você sentiu o dever
de não ceder
diante da beleza
nascida de injustiças esquecidas
no fundo se dedicou
aos bons sentimentos
dos quais se defendia
como da beleza
com o ódio racial
contra a paixão;
veio ao mundo, que é
grande e ainda assim tão simples,
e encontrou quem se
ria da tradição
e tomou ao pé da
letra essa ironia falsamente transgressora,
erigindo barreiras
infantis contra a classe dominante do passado
a juventude passa
logo; oh, geração desventurada,
vai chegar à
meia-idade e depois à velhice
sem ter gozado o que
tinha direito de gozar
e que só se goza com
ânsia e humildade
e assim vai entender
que só serviu ao mundo
contra o qual com
zelo “levou em frente a luta”:
era ele que queria
lançar descrédito sobre a história – a sua;
era ele que queria
fazer tábula rasa do passado – o seu;
oh, geração
desventurada, e você obedeceu desobedecendo!
Era aquele mundo que
pedia a seus novos filhos que o ajudasse
a contradizer-se,
para prosseguir;
nele vão se ver
velhos, sem amor pelos livros e pela vida:
perfeitos habitantes
daquele mundo renovado
através de suas
reações e repressões, sim, sim, é verdade,
mas sobretudo através
de vocês, que se rebelaram
justo como ele
queria, Autômato enquanto Todo;
seus olhos não se
encheram de lágrimas
diante de um
Batistério com líderes e jovens
concentrados de
estação em estação,
nem lágrimas
derramaram por uma oitava do Renascimento,
nem lágrimas
(intelectuais, devidas à pura razão)
conheceram ou não
reconheceram os tabernáculos dos antepassados
nem as moradas dos
pais patrões, pintadas por
– e todas as outras
coisas sublimes
não lhes causará
tremor (com aquelas lágrimas ardentes)
o verso de um anônimo
poeta simbolista morto nem
a luta de classes os
embalou e impediu de chorar;
endurecidos contra
tudo que não cheirasse a bons sentimentos
e agressividade
desesperada,
pularam uma juventude
e, se eram
intelectuais,
então não o quiseram
ser até o fundo,
quando este era entre
tantos o seu verdadeiro dever,
e por que cometeram
essa traição?
por amor ao
operariado: mas ninguém pede a um operário
que não seja operário
até o fundo,
os operários não
choraram diante das obras-primas
mas não perpetraram
traições que levam à chantagem
e portanto à
infelicidade
oh, desventurada
geração,
você vai chorar, mas
de lágrimas sem vida
porque talvez não
saberá sequer retornar
ao que não tendo tido
nem sequer perdeu;
pobre geração
calvinista como nas origens da burguesia
infantilmente
pragmática, puerilmente ativa,
você buscou a
salvação na organização
(que não pode
produzir senão mais organização)
e passou os dias da
juventude
falando a linguagem
da democracia burocrática
sem nunca sair da
repetição das fórmulas,
porque organizar
significar per verba não poderia
mas por fórmulas,
sim,
você vai se ver
usando a autoridade paterna à mercê do poder
inominável que a quis
contra o poder,
geração desventurada!
Eu envelhecendo vi
suas cabeças cheias de dor
onde turbilhonava uma
ideia confusa, uma absoluta certeza,
uma presunção de
heróis destinados a não morrer –
oh, meninos
desventurados, que viram ao alcance da mão
uma maravilhosa
vitória que não existia!
Em: “Transumanar e
organizar” (1971)
Referência:
PASOLINI, Pier Paolo.
La poesia della tradizione / A poesia da tradição. Tradução de Maurício Santana
Dias. In: __________. Poemas. Tradução e notas de Maurício Santana Dias.
Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias.
Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify,
2015. Em italiano: p. 194, 196 e 198; em português: p. 195, 197 e 199.
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