Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 11 de maio de 2024

Octavio Paz - Lágrima

Lágrima que é expressão do corpo e da alma em relação a tudo que os compunge, aqui como manifestação de um coração que sofre e cujo lume se extingue a cada dia, ali como pingo de suor à flor da pele; em qualquer dos casos, puro sal incorporado sob a luz do sol – “salitre” como se diz –, medida de sabor a nos aquilatar o lado mais humano e mortal.

 

Lágrima que não flui de um pranto por um sonho irrealizado, por uma vida urdida em intenções, mas que, de fato, não logrou sedimentar-se em história factual. Lágrima enquanto sal calcinado traduzido em pedra, a calar fundo no espírito, sob um sol destilado entre amaro e cristalino – lídimo inferno a sepultar, sempre mais um pouco, a cada um de nós.

 

J.A.R. – H.C.

 

Octavio Paz

(1914-1998)

 

Lágrima

 

Sola, densa, redonda lágrima,

quemada sal quemante,

límpido sol amargo, cristalino,

por un cauce infinito

hacia nada rodando.

 

Su rastro es piedra calcinada,

salitre bajo el sol.

 

¿Quién derramó esta lágrima

que así se precipita

y recorre sin término

la aridez de la carne o de la piedra,

sin que moje su fuego

el labio seco y ávido?

 

No me llora esa lágrima,

ni llora el sueño que no he sido

ni la vida que soy.

 

Sal del alma al infierno conmovida,

sabes, si sabes, a la nada;

eres piedra y no lágrima

y al corazón le pesas como piedra,

pues no me lloras, sino me sepultas.

 

(1941)

 

Homem chorando

(Virga Siauciunaite: pintora lituana)

 

Lágrima

 

Só, espessa, redonda lágrima,

queimado sal queimante,

límpido sol amargo, cristalino,

por um leito infinito

para nada rolando.

 

Seu rastro é pedra, calcinada,

salitre sob o sol.

 

Quem derramou essa lágrima

que assim se precipita

e percorre sem término

a secura da pedra, ou a da carne,

sem que molhe seu fogo

o lábio seco e ávido?

 

Não me chora esta lágrima,

nem chora o sonho que não fui

nem a vida que sou.

 

O sol da alma em infernos destilado,

sabes, se é que sabes, ao nada.

Pedra és, e não lágrima,

e ao coração lhe pesas como pedra,

porquanto não me choras: me sepultas.

 

(1941)

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

PAZ, Octavio. Lágrima. In: Letras de México V (ene. 1945 - dic. 1946); VI (ene. 1947 - mar. 1947). Edición facsimilar de la de 1981. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica (FCE), 2018. p 211. (Colección ‘Revistas Literarias Mexicanas Modernas’; vols. 5 y 6)

 

Em Português

 

PAZ, Octavio. Lágrima. Tradução de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio; Brasília, DF: Instituto Nacional do Livro, 1979. p. 198.

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