Apreender na
linguagem o fluxo que se passa fora da linguagem, numa tentativa de estabilizá-lo;
perscrutar o logos heraclitiano, enquanto princípio unitário do mundo,
sugerindo uma harmonização de opostos que se acomode ao nosso plano de
racionalidade: eis o que me parece o objeto de cogitação presente nestes versos
de Auster.
Nos mistérios da
terra nos vemos refletidos, numa inquietude existencial que se replica à
plenitude de um tártaro monotônico. E é para lutar contra esse carbono letal – rebento
do simulacro – que nos serve a poesia: para nos tornar resilientes às expressões
mais ásperas do cotidiano, distanciando-nos do desespero, lançando-nos para a
margem oposta, em direção ao eu autêntico.
J.A.R. – H.C.
Paul Auster
(1947)
Heraclitian
All earth,
accountable
to greenness, the
air’s ballast
coal, and the winter
that ignites
the fire of earth, as
all air moves
unbrokenly
into the green
moment of ourselves.
We know that we are
spoken for. And we
know that earth
will never yield
a word
small enough to hold
us. For the just word
is only of air, and
in the green
ember
of our nether
sameness, it brings no fear
but that of life. We
therefore
will be named
by all that we are
not. And whoever
sees himself
in what is not yet
spoken,
will know what it is
to fear
earth
to the just
measure of himself.
Bosques do Chateau
Noir
(Louis Finkelstein:
pintor norte-americano)
Heraclitiana
Toda a terra,
responsável
pelo verde, o carvão
que lastra
o ar, e o inverno
que inflama
as chamas da terra,
como todo o ar se move
ininterrupto
rumo ao verde
momento de nós.
Sabemos que falam
por nós. E sabemos
que a terra
jamais cederá
uma palavra
que por sua pequenez nos detenha. Pois a justa palavra
é só do ar, e na
verde
brasa
de nossa ínfera
igualdade, não traz outro medo
que não o da vida.
Nós portanto
seremos batizados
por tudo que não somos.
E quem quer
que se veja
no que ainda não
se diz,
saberá o que é
temer
a terra
na justa
medida de si próprio.
Referência:
AUSTER, Paul. Heraclitian / Heraclitiana. Tradução de Caetano W. Galindo. In: __________. Todos os poemas. Edição bilíngue. Tradução e prefácio de Caetano W. Galindo. Introdução de Norman Finkelstein. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2013. Em inglês: p. 194; em português: p. 195.
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