Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 30 de abril de 2024

Paul Auster - Heraclitiana

Apreender na linguagem o fluxo que se passa fora da linguagem, numa tentativa de estabilizá-lo; perscrutar o logos heraclitiano, enquanto princípio unitário do mundo, sugerindo uma harmonização de opostos que se acomode ao nosso plano de racionalidade: eis o que me parece o objeto de cogitação presente nestes versos de Auster.

 

Nos mistérios da terra nos vemos refletidos, numa inquietude existencial que se replica à plenitude de um tártaro monotônico. E é para lutar contra esse carbono letal – rebento do simulacro – que nos serve a poesia: para nos tornar resilientes às expressões mais ásperas do cotidiano, distanciando-nos do desespero, lançando-nos para a margem oposta, em direção ao eu autêntico.

 

J.A.R. – H.C.

 

Paul Auster

(1947)

 

Heraclitian

 

All earth, accountable

to greenness, the air’s ballast

coal, and the winter

that ignites

the fire of earth, as all air moves

unbrokenly

into the green

moment of ourselves. We know that we are

spoken for. And we know that earth

will never yield

a word

small enough to hold us. For the just word

is only of air, and in the green

ember

of our nether sameness, it brings no fear

but that of life. We therefore

will be named

by all that we are not. And whoever

sees himself

in what is not yet

spoken,

will know what it is

to fear

earth

to the just

measure of himself.

 

Bosques do Chateau Noir

(Louis Finkelstein: pintor norte-americano)

 

Heraclitiana

 

Toda a terra, responsável

pelo verde, o carvão que lastra

o ar, e o inverno

que inflama

as chamas da terra, como todo o ar se move

ininterrupto

rumo ao verde

momento de nós. Sabemos que falam

por nós. E sabemos que a terra

jamais cederá

uma palavra

que por sua pequenez nos detenha. Pois a justa palavra

é só do ar, e na verde

brasa

de nossa ínfera igualdade, não traz outro medo

que não o da vida. Nós portanto

seremos batizados

por tudo que não somos. E quem quer

que se veja

no que ainda não

se diz,

saberá o que é

temer

a terra

na justa

medida de si próprio.

 

Referência:

 

AUSTER, Paul. Heraclitian / Heraclitiana. Tradução de Caetano W. Galindo. In: __________. Todos os poemas. Edição bilíngue. Tradução e prefácio de Caetano W. Galindo. Introdução de Norman Finkelstein. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2013. Em inglês: p. 194; em português: p. 195.

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