Em versos parelhas
que alternam situações ou contextos da vida social na cidade grande e cogitações
de se mudar para uma cidade menor ou para o campo, com o objetivo de viver uma
vida mais simples, quase ao nível do meramente natural, o falante acaba por
revelar evidências de uma responsabilidade por seu genitor (ou quem mais) que
já não se observa habitual entre os filhos das gerações mais recentes.
A sensação que se nos
apodera ao término dos versos é a de um ente lírico não exatamente em paz
consigo mesmo ou com o seu mister, ávido por trocar a paisagem capturada por
seus olhos (ou pelo coração), talvez em decorrência de um conflito com a sua
própria identidade de poeta, não tão em ênfase nas contemporâneas sociedades de
consumo.
J.A.R. – H.C.
Fabrício Corsaletti
(n. 1978)
Poesia e sociedade
os móveis abandonados
e os óculos dos
doentes
– não são imagens
do meu remorso
as janelas
basculantes
e as grades dos
edifícios
– vou criar porcos
em Araraquara
as embalagens de
plástico
e as obras de
artistas plásticos
– quero que a moça do
telemarketing
venha comigo
as garagens numeradas
e as vozes do
linchamento
– ouvirei o canto do
galo
com amargura
a simpatia dos
garçons
e o riso das
professoras
– devo estar
preparado
para acolher meu pai
as reuniões de
condomínio
e os últimos
lançamentos
– meu único gesto
sincero
depende de garfo e
faca
Estação de Charing
Cross (Londres)
(Cathy Read: artista
inglesa)
Referência:
CORSALETTI, Fabrício.
Poesia e sociedade. In: __________. Esquimó. São Paulo, SP: Companhia
das Letras, 2010. p. 41.
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