Num discurso a propor
a recolha de toda a “espuma dos dias”, teses construídas sobre fundamentos que
se pretendem fidedignos à realidade – olhares, cenários citadinos, êxtases, sentimentos
de amor, “tudo isso” –; idem, o que se tem por suas respectivas antíteses, por
elaborações contrapostas a tais construções pretensamente irrefutáveis – “nada
disto” –; o poeta aparenta ceder à nebulosa dos sonhos o mister de sintetizar o
significado pleno de todas essas experiências.
Sobre o leito, o sono
e o sonho: nas horas de recolhimento, a maré, o refluxo do que se passou em
vigília, no espaço mais íntimo de cada ser, nossas mentes povoadas por símbolos
capazes de nos dizer se estamos ou não em pleno autocontrole psíquico, ou como
diria Jung, se, em nosso veleiro, há suficiente equilíbrio entre a vela e a quilha.
J.A.R. – H.C.
Mário Cesariny
(1923-2006)
Juntemos este leito
estas cidades
Juntemos este leito
estas cidades
os países os mares as
poesias
juntemos o fiambre e
o lírio roxo
a morte em plena rua
e a vida hermética
Juntemos peça a peça
as armas todas
todo o sol todo o
tempo que há na terra
juntemos o riacho e a
areia viva
juntemos toda a
música
Juntemos o que há
sobre o que espera
como um bicho na
noite antena tensa
pata tensa um
centímetro de pata
Gládio ou desgosto ou
só meia verdade
teu riso minha coleta
juntemos
isso tudo tudo isso
nada disto.
Interior com o leito
e as luzes da cidade
(Victoria Sukhasyan: artista
russa)
Referência:
CESARINY, Mário.
Juntemos este leito estas cidades. In: __________. Nobilíssima visão.
Lisboa, PT: Guimarães, 1959. p. 71-72.
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