Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Simón Zavala Guzmán - Mais além da morte

Depois de um retrato lancinante sobre a morte, essa filha da noite, trágica componente do existir humano – quer pelo aspecto natural quer pela ótica pessoal –, enquanto ponto terminante para qualquer contexto que se avalie como positivo, o poeta vislumbra nas palavras o poder de avançar para além de toda ruína, nelas entrevendo a aptidão para escapar às limitações do tempo.

 

Não exatamente as palavras lançadas ao vento – presume-se –, senão aquelas gravadas indelevelmente na página em branco, ou por outra, já agora em outros meios, difundidas na galáxia da internet e convertidas no constituinte móvel da presença humana sobre a terra, presença essa que, confiante, projeta-se à jurisdição imóvel da eternidade.

 

J.A.R. – H.C.

 

Simón Zavala Guzmán

(n. 1943)

 

Más allá de la muerte

 

Siempre la muerte acecha. Con su boca abismal

está lista para el hachazo

para el golpe certero que debe enmudecernos.

Siempre está atenta para robarnos en el primer descuido

en el primer temor

en la primera desmesura

la luz que nos empuja

la marejada vital que nos irrumpe

el hálito que impulsa nuestra palabra

como un golpe de tambor sonoro y conmovido.

Siempre está a nuestro lado fría y astuta

húmeda y obsesionada con nuestro calor

queriendo deslumbrarnos desde su desnudez

desde el cadáver de su beso

tratando de inmovilizamos con su excitación

sexo imperceptible

senos transparentes con su oculto lenguaje

donde un ángel letal alza su espada de terror

para decapitamos.

Siempre queriendo aprisionarnos en su insinuación

en su propósito de hacernos piedra polvo en olvido

deseo y laberinto de ojos inmóviles

verdad de su primigenio vientre.

Siempre la muerte acecha.

Fascinada frente al mortal lame su abstinencia.

Repta bajo las pisadas del cuello que ha resuelto apretar.

No tiene prisa. Espera. Se sabe indestructible.

Sin embargo no nos puede vencer

en el momento de su abrazo conmovedor

de la asfixia que comienza a triturar nuestros sentidos

los silencios se abren, insurgen bravas las palabras

y la voz se desata como un vendaval de sangre invulnerable

y vuelve la vida a crecer sobre la eternidad

sobre la muerte que queda en su despecho

como sombra herrumbrosa y risible.

 

A Eternidade e a Morte

(Xavier Mellery: pintor belga)

 

Mais além da morte

 

A morte está sempre à espreita. Com a sua boca abismal

sempre pronta para o talho

para o golpe certeiro que há de nos silenciar.

Está sempre alerta para nos roubar ao primeiro descuido

ao primeiro temor

à primeira imprudência

a luz que nos impele

a maresia vital que nos irrompe

o sopro que dá impulso à nossa palavra

como uma sonora e comovente batida de tambor.

Está sempre ao nosso lado fria e astuta

úmida e obcecada com o nosso calor

querendo nos deslumbrar a começar por sua nudez

a começar pelo cadáver de seu beijo

tratando de nos imobilizar com sua excitação

sexo imperceptível

seios transparentes com sua oculta linguagem

onde um anjo letal ergue a sua espada de terror

para nos decapitar.

Sempre querendo nos aprisionar em sua insinuação

em seu propósito de nos converter em pedra pó olvido

desejo e labirinto de olhos imóveis

verdade de seu primigênio ventre.

A morte está sempre à espreita.

Fascinada frente ao mortal ela lambe sua abstinência.

Rasteja sob os rastos da fauce que resolveu apertar.

Não tem pressa. Espera. Sabe-se indestrutível.

Contudo não nos pode vencer:

no momento de seu abraço comovente

da asfixia que começa a esmagar nossos sentidos

os silêncios se abrem, insurgem-se bravas as palavras

e a voz se solta como um vendaval invulnerável de sangue

e a vida volta a crescer sobre a eternidade

sobre a morte que em seu despeito

mantém-se como sombra enferrujada e risível.

 

Referência:

 

GUZMÁN, Simón Zavala. Más allá de la muerte. In: BIANCHI, Roberto et alii. Círculo de poesía 9. Montevideo, UR; Brasília, BR: aBrace, 2007. p. 105-106. (‘Círculos de edición aBrace’)

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