O literato e poeta
goiano nos fala de outras realidades – ou seja, daquelas aquém ou além da
própria realidade, no incomensurável espaço por onde se difunde a poesia –, tão
repletas de possibilidades que são capazes de configurar um outro mundo, com
outras imagens ou paisagens, que calam fundo ao espírito, mas que “amanhecem
cantando” em cada poema.
Os trípticos do poema
compõem-se da mais pura metalinguagem a perscrutar o processo de criação dos
versos, forma expressiva de arte e de beleza, apreensível até mesmo nas arcadas
do silêncio absoluto, pela sua reconversão em linguagem – símbolos, metáforas,
alegorias, palavras –, encantos que esplendem aos olhos do leitor receptivo às
perplexidades do inusitado.
J.A.R. – H.C.
Gilberto Mendonça
Teles
(n. 1931)
Poética
I
Resolvo o meu poema
sob o silêncio neutro
das palavras perdidas
na paisagem dos
signos.
Pois saibam todos que
meu mundo tem raízes
além da realidade.
Não dessa realidade
contida num cristal,
alegre e transparente
e sem tranquilidade.
Mas desta que
sustenta
o seu próprio realce.
Sossegada em si mesma
mas pronta para o
salto.
Às vezes moderada
e muda, mas presente.
Presente e tão
constante
na sua exatidão
que chega a ser um
campo
como os demais. E
chega
a ser apenas número
sem forma e
distinção,
ou qualquer vegetal
entre outros
vegetais,
ou simples edifício
plantado indiferente
no centro da cidade.
II
Não também esta real
ou falsa coisa-pedra.
Ou qualquer coisa
mesma
impalpável ou não.
Uma árvore sem caule,
presa no ar, calada,
gesticulando apenas
a sua discrição.
Ou pássaro prudente,
tranquilo no seu voo,
também suspenso e
mudo
nalguma solidão.
Nem rio que se faça
em rio de brinquedo,
espada de aço impuro
entre a prudência e a
mão.
Espada de tão curva
que o contato da
tarde
arqueia no horizonte.
Nada que só pudesse
valer-se de seu pouso
para lançar no espaço
um cone de penumbra,
e que durasse apenas
o tempo de uma
lâmpada
acesa na memória.
III
Meu mundo tem raízes
além da realidade.
Melhor dizer, aquém
da própria realidade
ou dentro dela mesma,
no que ela tem de
puro,
de triste, de tão
sujo
que nela se mistura
e se toma o sinal
da antiga
transparência
daquilo que se sabe
ser leve como a vida.
Ou seja, a própria
vida
que por ser vida é
breve
e por ser breve em
nada
perturba a cor do
tempo
na sua eternidade.
Assim, meu mundo é o
mundo
com suas coisas
todas.
Imagens retorcidas
nas contrações do
olhar
e reduzidas todas
ao mais puro
silêncio.
E que, por ser
milhares,
se juntam noutro
mundo,
noutra paisagem,
dentro
da nova realidade
cuja face de sombras
amanhece cantando
no poema.
Em: “Fábula de Fogo”
(1961)
Outra Realidade
(Paolo De Luca: artista
italiano)
Referência:
TELES, Gilberto Mendonça.
Poética. In: __________. Melhores poemas de Gilberto Mendonça Teles.
Seleção de Luiz Busatto. 4. ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo, SP:
Global, 2007. p. 34-37. (Coleção ‘Melhores Poemas’)
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