Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Gilberto Mendonça Teles - Poética

O literato e poeta goiano nos fala de outras realidades – ou seja, daquelas aquém ou além da própria realidade, no incomensurável espaço por onde se difunde a poesia –, tão repletas de possibilidades que são capazes de configurar um outro mundo, com outras imagens ou paisagens, que calam fundo ao espírito, mas que “amanhecem cantando” em cada poema.

 

Os trípticos do poema compõem-se da mais pura metalinguagem a perscrutar o processo de criação dos versos, forma expressiva de arte e de beleza, apreensível até mesmo nas arcadas do silêncio absoluto, pela sua reconversão em linguagem – símbolos, metáforas, alegorias, palavras –, encantos que esplendem aos olhos do leitor receptivo às perplexidades do inusitado.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gilberto Mendonça Teles

(n. 1931)

 

Poética

 

I

 

Resolvo o meu poema

sob o silêncio neutro

das palavras perdidas

na paisagem dos signos.

 

Pois saibam todos que

meu mundo tem raízes

além da realidade.

Não dessa realidade

contida num cristal,

alegre e transparente

e sem tranquilidade.

 

Mas desta que sustenta

o seu próprio realce.

Sossegada em si mesma

mas pronta para o salto.

Às vezes moderada

e muda, mas presente.

Presente e tão constante

na sua exatidão

que chega a ser um campo

como os demais. E chega

a ser apenas número

sem forma e distinção,

ou qualquer vegetal

entre outros vegetais,

ou simples edifício

plantado indiferente

no centro da cidade.

 

II

 

Não também esta real

ou falsa coisa-pedra.

Ou qualquer coisa mesma

impalpável ou não.

Uma árvore sem caule,

presa no ar, calada,

gesticulando apenas

a sua discrição.

Ou pássaro prudente,

tranquilo no seu voo,

também suspenso e mudo

nalguma solidão.

 

Nem rio que se faça

em rio de brinquedo,

espada de aço impuro

entre a prudência e a mão.

Espada de tão curva

que o contato da tarde

arqueia no horizonte.

Nada que só pudesse

valer-se de seu pouso

para lançar no espaço

um cone de penumbra,

e que durasse apenas

o tempo de uma lâmpada

acesa na memória.

 

III

 

Meu mundo tem raízes

além da realidade.

Melhor dizer, aquém

da própria realidade

ou dentro dela mesma,

no que ela tem de puro,

de triste, de tão sujo

que nela se mistura

e se toma o sinal

da antiga transparência

daquilo que se sabe

ser leve como a vida.

Ou seja, a própria vida

que por ser vida é breve

e por ser breve em nada

perturba a cor do tempo

na sua eternidade.

 

Assim, meu mundo é o mundo

com suas coisas todas.

Imagens retorcidas

nas contrações do olhar

e reduzidas todas

ao mais puro silêncio.

E que, por ser milhares,

se juntam noutro mundo,

noutra paisagem, dentro

da nova realidade

cuja face de sombras

amanhece cantando

no poema.

 

Em: “Fábula de Fogo” (1961)

 

Outra Realidade

(Paolo De Luca: artista italiano)

 

Referência:

 

TELES, Gilberto Mendonça. Poética. In: __________. Melhores poemas de Gilberto Mendonça Teles. Seleção de Luiz Busatto. 4. ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo, SP: Global, 2007. p. 34-37. (Coleção ‘Melhores Poemas’)

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