Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Max Carphentier - Do uirapuru

Neste soneto com versos decassílabos brancos, rico em traços diferenciais amazônicos, o poeta manauara espelha muito da paisagem regional, sua topografia, a presença ostensiva da floresta com o seu prodigioso manancial de vida botânica, entrecortada pela melopeia de uma superabundância de aves canoras – uma das quais, o uirapuru.

 

Um canto harmonioso – tantas vezes cotejado ao de uma flauta –, linguagem assimilada como se de amor e de morte, enleia o ente lírico ao pássaro: saudades de uma ausência, fomentadas por quem tem o hábito de “dar voz às cinzas”, fecundando o sonho de renovação a sustentar a eclosão do verde – ao mesmo tempo tão exuberante e tão vulnerável.

 

J.A.R. – H.C.

 

Max Carphentier

(n. 1945)

 

Do uirapuru

 

Todo dia acordar para uma ausência

como se acorda a flauta no deserto,

como acordamos eu e o uirapuru

para o destino de dar voz às cinzas.

Ele ao frio sobe das mais altas copas;

eu ao frio desço das mais velhas sombras;

e vinda a noite o canto que nos mata

inda recende pela flor das trevas.

À sombra dessa voz sonham as orquídeas,

tremem-se as águas no igapó dos olhos,

e a serpe e a flor, o sonho e a mão perdida

seus corpos cobrem sob folhas mortas.

Como é saudade o dom que inda nos resta,

em nós, de amor maior, canta a floresta.

 

Em: “Tiara do verde amor” (1988)

 

O uirapuru

(Moacir C. de Andrade: artista manauara)

 

Referência:

 

CARPHENTIER, Max. Do uirapuru. In: SAVARY, Olga (Organização, seleção, notas e apresentação). Antologia da nova poesia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Rio / Hipocampo, 1992. p. 216.

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