Estas linhas dão fecho
à seção “Finisterra” do poemário “A tempestade e outros poemas”, publicado em
1956, a recolher poemas redigidos por Montale entre 1940 e 1956, cobrindo, por
conseguinte, um período em que o mundo se engolfou numa guerra insana (GM II) –
objeto de alusão em dois dos versos da primeira estrofe.
Aos mortos somente resta
a memória dos que aqui permanecem, talvez bem mais atentos aos apelos do corpo
do que aos da alma. A única vida futura dos mortos está nas recordações dos
vivos e somente nelas a mãe do falante sobreviverá. Ademais, no além-túmulo, o
que importa o que aconteça aos despojos, essa “sombra” que a tudo encobre neste
plano de existência? Afinal, a natureza os reduzirá a pouco mais do que átomos.
Mas para quem
acredita em vida após a morte – como a mãe do poeta –, a alma constitui o liame
que haverá de prover essa hipotética continuidade (ideia de transcendência não propriamente
recepcionada por Montale, haja vista o matiz imanente presente nas últimas
linhas do poema).
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
A Mia Madre
Ora che il coro delle
coturnici
ti blandisce nel
sonno eterno, rotta
felice schiera in
fuga verso i clivi
vendemmiati del Mesco,
or che la lotta
dei viventi più
infuria, se tu cedi
come un’ombra la
spoglia
(e non è un’ombra,
o gentile, non è ciò
che tu credi)
chi ti proteggerà? La
strada sgombra
non è una via, solo
due mani, un volto,
quelle mani, quel
volto, il gesto d’una
vita che non è un’altra
ma se stessa,
solo questo ti pone
nell’eliso
folto d’anime e voci
in cui tu vivi;
e la domanda che tu
lasci è anch’essa
um gesto tuo, all’ombra
delle croci.
In: “La bufera e
altro” (1940-1954)
Mãe e Filho
(Mary S. Cassatt:
pintora norte-americana)
À Minha Mãe
Agora que o coro das
perdizes sardas
embalam-te no sono
eterno, álacre
e perfilada dispersão
em fuga rumo às encostas
vindimadas do Mesco,
agora que a luta
dos vivos mais se acirra,
se renunciares
como uma sombra aos
despojos
(e não são uma
sombra,
ó senhora, não são o
que acreditas que sejam)
quem haverá de proteger-te? A estrada desimpedida
não é uma via,
somente duas mãos, um rosto,
aquelas mãos, aquele
rosto, o gesto de uma
vida que outra não é
senão ela mesma,
tudo isto a te situar
no elísio
repleto de almas e de
vozes onde vives;
e a pergunta que
deixas é, também ela,
um gesto teu, à
sombra das cruzes.
Em: “A tempestade e
outros poemas” (1940-1954)
Referência:
MONTALE, Eugenio. A
mia madre. In: __________. Tutte le poesie. A cura di Giorgio Zampa. Milano,
IT: Arnoldo Mondadori Editore, ottobre 1990. p. 211. (‘Grandi Classici Oscar
Mondadori’)
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