Ambos russos de
ascendência judaica, Raïssa e Chagall demonstram sentimentos
assemelhados no que pertine a certo misticismo judaico-cristão, no qual se
mesclam simbolismos presentes no Novo e no Antigo Testamentos, a exemplo dos
que se traduzem por meio da menorá, dos anjos e de todos as efígies retratadas,
v.g., nas cenas da tela “Crucificação Branca” do artista, a ilustrar esta
postagem.
Não se pode negar a
capacidade de Raïssa – esposa do filósofo de orientação católica Jacques Maritain
(1882-1973) – em verter para palavras, ou melhor, em poesia, aquilo que se
estampa na prolífica arte figurativa de Chagall (1887-1985), muito a evocar a
condição do povo judeu, vitimado por violências e abusos ao longo da História.
J.A.R. – H.C.
Raïssa Maritain
(1883-1960)
Chagall
Chagall est venu à
grands pas
De la Russie morose
Il a dans sa besace
Des violons et des
roses
Des amoureux plus
légers que des anges
Et des mendiants en
redingote
Des musiciens et des
archanges
Et des synagogues
Il a des prés et des
villages
Qui chavirent dans
l’orage
Des cabarets des bals
des belles
Des fenêtres dans
l’arc-en-ciel
Le trône de lys de la
Fiancée
Sous le dais de soie
empourprée
Toute la Bible en
images
Tous les grands
personnages
En longues barbes en
longues robes
Et leurs agneaux et
leurs colombes
Des coqs diaprés et
des vaches
Les animaux de La
Fontaine et ceux de l’Arche
Des foules des noces
des larmes des baisers
Des chevaux
chimériques
Des dames et des
cavaliers
Et des cirques
Il a peint l’univers
entier
Rien n’y manque
Avec toutes les
couleurs du soleil
Qui y dansent
Puis il a un Christ
étendu
À travers le monde
perdu
Dans un grand espace
d’ivoire
À ses pieds un
chandelier allumé
À six bougies par
mégarde
Et dans le ciel des
hommes éplorés
Qui regardent
Aux quatre coins de
l’horizon
Feu et flammes
De pauvres Juifs de
partout s’en vont
Personne qui les
réclame
Ils n’ont plus de
lieu sur la terre
Pour se reposer pas
une pierre
Les Juifs errants
Il faut donc qu’ils
logent au ciel
Morts ou vivants
Avec ces amis de
Chagall
Qui ici-bas se
tiennent si mal
Qui sont toujours en
l’air dans les nuages
Ces rabbins pensifs
Et ces violonistes
Qui jouent sur leur
coeur dans la neige
Dans: “Lettre de
nuit” (1939)
Crucificação Branca
(Marc Chagall: pintor
franco-russo)
Chagall
Chagall veio a passos
largos
Da Rússia taciturna
Trazendo em seu alforje
Violinos e rosas
Amantes mais leves
que anjos
Mendigos com sobrecasacas
Músicos arcanjos
E sinagogas
Ele tem prados e
aldeias
Que soçobram sob o
temporal
Cabarés bailes
beldades
Janelas no arco-íris
O trono de lírios da
Noiva
Sob o dossel de seda
carmesim
Toda a Bíblia em
imagens
Todos os grandes protagonistas
Com longas barbas em
longas túnicas
E seus cordeiros e
suas pombas
Galos matizados e vacas
Os animais de La
Fontaine e os da Arca
Multidões bodas
lágrimas beijos
Cavalos quiméricos
Damas e cavalheiros
E os circos
Ele pintou o universo
inteiro
Nada a faltar
Com todas as cores do
sol
Que nele cintilam
Ademais conta ele com
um Cristo jacente
Em meio ao mundo
perdido
Num vasto espaço de
marfim
A seus pés um
castiçal aceso
Inadvertidamente com
seis velas
E no céu homens
lacrimosos
A observarem o que se
passa
Pelos quatro cantos
do horizonte
Fogo e chamas
Pobres Judeus emigrantes
por todo lado
Sem ninguém que os
reivindique
Já não têm um lugar
na terra
Nem uma pedra para o
repouso
Destarte os Judeus errantes
Têm de se alojar no
céu
Mortos ou vivos
Como esses amigos de
Chagall
Que estão aqui embaixo
tão mal seguros
Sempre no ar
suspensos entre nuvens
Esses rabinos
pensativos
E esses violinistas
Que na neve harpejam
sobre seus corações
Em: “Carta da noite”
(1939)
Referência:
MARITAIN, Raïssa. Chagall. In: MARITAIN, Jacques et Raïssa. Oeuvres complètes. Volume XV: 1945-1960. Fribourg, CH: Éditions Universitaires; Paris, FR: Éditions Saint-Paul, 1995. p. 551-552.
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