Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Friedrich Nietzsche - Vocação de Poeta

Recolhido em versão definitiva à coletânea “Lieder des Prinzen Vogelfrei” (“Canções do Príncipe Livrepássaro”) – com poemas redigidos entre 1882 e 1884, publicados em apêndice à obra “Gaia Ciência”, na edição de 1886 –, há neste poema de Nietzsche suficiente autoironia, ao reproduzir uma conversa bate e volta, à sombra de uma frondosa árvore, entre o falante e um pica-pau, o qual, a cada passo, apenas replica: – “Sim, meu senhor, sois um poeta”.

 

Um livre-pensador andarilho à beira da loucura, a lançar mão da troça e do riso como alternativa à sua própria circunspecção autoconsciente: um filósofo-poeta, imerso em solidão, que se compraz em recorrer à tradição epigramática para criar uma paródia à altura do mesmo tema já antes desenvolvido pelo seu mais dileto poeta: Hölderlin.

 

J.A.R. – H.C.

 

Friedrich Nietzsche

(1844-1900)

 

Dichters Berufung

 

Als ich jüngst, mich zu erquicken,

Unter dunklen Bäumen saß,

Hört’ ich ticken, leise ticken,

Zierlich, wie nach Takt und Maas.

Böse wurd ich, zog Gesichter, –

Endlich aber gab ich nach,

Bis ich gar, gleich einem Dichter,

Selber mit im Tiktak sprach.

 

Wie mir so im Verse-Machen

Silb’ um Silb’ ihr Hopsa sprang,

Musst’ ich plötzlich lachen, lachen

Eine Viertelstunde lang.

Du ein Dichter? Du ein Dichter?

Steht’s mit deinem Kopf so schlecht?

– “Ja, mein Herr, Sie sind ein Dichter”

Achselzuckt der Vogel Specht.

 

Wessen harr’ ich hier im Busche?

Wem doch laur’ ich Räuber auf?

Ist’s ein Spruch? Ein Bild? Im Husche

Sitzt mein Reim ihm hintendrauf.

Was nur schlüpft und hüpft, gleich sticht der

Dichter sich’s zum Vers zurecht.

– “Ja, mein Herr, Sie sind ein Dichter”

Achselzuckt der Vogel Specht.

 

Reime, mein’ ich, sind wie Pfeile?

Wie das zappelt, zittert, springt,

Wenn der Pfeil in edle Theile

Des Lacerten-Leibchens dringt!

Ach, ihr sterbt dran, arme Wichter,

Oder taumelt wie bezecht!

– “Ja, mein Herr, Sie sind ein Dichter”

Achselzuckt der Vogel Specht.

 

Schiefe Sprüchlein voller Eile,

Trunkne Wörtlein, wie sich’s drängt!

Bis ihr Alle, Zeil’ an Zeile,

An der Tiktak-Kette hängt.

Und es giebt grausam Gelichter,

Das dies – freut? Sind Dichter – schlecht?

– “Ja, mein Herr, Sie sind ein Dichter”

Achselzuckt der Vogel Specht.

 

Höhnst du, Vogel? Willst du scherzen?

Steht’s mit meinem Kopf schon schlimm,

Schlimmer stünd’s mit meinem Herzen?

Fürchte, fürchte meinen Grimm! –

Doch der Dichter – Reime flicht er

Selbst im Grimm noch schlecht und recht.

– “Ja, mein Herr, Sie sind ein Dichter”

Achselzuckt der Vogel Specht.

 

O poeta com os pássaros

(Marc Chagall: pintor franco-russo)

 

Vocação de Poeta

 

Ainda outro dia, na sonolência

De escuras árvores, eu sozinho,

Ouvi batendo, como em cadência,

Um tique, um taque, bem de mansinho...

Fiquei zangado, fechei a cara –

Mas afinal me deixei levar

E igual a um poeta, que nem repara,

Em tique-taque me ouvi falar.

 

E vendo o verso cair, cadente,

Sílabas, upa, saltando fora,

Tive que rir, rir, de repente,

E ri por um bom quarto de hora.

Tu, um poeta? Tu, um poeta?

Tua cabeça está assim tão mal?

– “Sim, meu senhor, sois um poeta”,

E dá de ombros o pica-pau.

 

Por quem espero aqui nesta moita?

A quem espreito como um ladrão?

Um dito? Imagem? Mas, psiu! Afoita

Salta à garupa rima e refrão.

Algo rasteja? Ou pula? Já o espeta

Em verso o poeta, justo e por igual.

– “Sim, meu senhor, sois um poeta”,

E dá de ombros o pica-pau.

 

Rimas, penso eu, serão como dardos?

Que rebuliços, saltos e sustos,

Se o dardo agudo vai acertar dos

Pobres lagartos os pontos justos.

Ai, ele morre à ponta da seta

Ou cambaleia, o ébrio animal!

– “Sim, meu senhor, sois um poeta”,

E dá de ombros o pica-pau.

 

Vesgo versinho, tão apressado,

Bêbada corre cada palavrinha!

Até que tudo, tiquetaqueado,

Caia na corrente, linha após linha.

Existe laia tão cruel e abjeta

Que isto ainda – alegra? O poeta – é mau?

– “Sim, meu senhor, sois um poeta”,

E dá de ombros o pica-pau.

 

Tu zombas, ave? Queres brincar?

Se está tão mal minha cabeça,

Meu coração pior há de estar?

Ai de ti, que minha raiva cresça! –

Mas trança rimas, sempre – o poeta,

Na raiva mesmo sempre certo e mau.

– “Sim, meu senhor, sois um poeta”,

E dá de ombros o pica-pau.

 

Referências:

 

Em Alemão

 

NIETZSCHE, Friedrich. Gedichte. Mit einem nachwort herausgegeben von Jost Hermand. Stuttgart, DE: Reclam, 1993. s. 65-67. (‘Universal-Bibliothek’; n. 7117)

 

Em Português

 

NIETZSCE, Friedrich. Vocação de poeta. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. In: __________. Obras incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. Posfácio de Antônio Cândido. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1999. p. 453-454.

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