Recolhido em versão
definitiva à coletânea “Lieder des Prinzen Vogelfrei” (“Canções do Príncipe Livrepássaro”)
– com poemas redigidos entre 1882 e 1884, publicados em apêndice à obra “Gaia
Ciência”, na edição de 1886 –, há neste poema de Nietzsche suficiente
autoironia, ao reproduzir uma conversa bate e volta, à sombra de uma frondosa
árvore, entre o falante e um pica-pau, o qual, a cada passo, apenas replica: –
“Sim, meu senhor, sois um poeta”.
Um livre-pensador
andarilho à beira da loucura, a lançar mão da troça e do riso como alternativa à
sua própria circunspecção autoconsciente: um filósofo-poeta, imerso em solidão,
que se compraz em recorrer à tradição epigramática para criar uma paródia à
altura do mesmo tema já antes desenvolvido pelo seu mais dileto poeta:
Hölderlin.
J.A.R. – H.C.
Friedrich Nietzsche
(1844-1900)
Dichters Berufung
Als ich jüngst, mich
zu erquicken,
Unter dunklen Bäumen
saß,
Hört’ ich ticken,
leise ticken,
Zierlich, wie nach
Takt und Maas.
Böse wurd′ ich, zog Gesichter, –
Endlich aber gab ich
nach,
Bis ich gar, gleich
einem Dichter,
Selber mit im Tiktak
sprach.
Wie mir so im
Verse-Machen
Silb’ um Silb’ ihr
Hopsa sprang,
Musst’ ich plötzlich lachen, lachen
Eine Viertelstunde
lang.
Du ein Dichter? Du
ein Dichter?
Steht’s mit deinem
Kopf so schlecht?
– “Ja, mein Herr, Sie
sind ein Dichter”
Achselzuckt der Vogel
Specht.
Wessen harr’ ich hier
im Busche?
Wem doch laur’ ich Räuber auf?
Ist’s ein Spruch? Ein
Bild? Im Husche
Sitzt mein Reim ihm
hintendrauf.
Was nur schlüpft und
hüpft, gleich sticht der
Dichter sich’s zum
Vers zurecht.
– “Ja, mein Herr, Sie
sind ein Dichter”
Achselzuckt der Vogel
Specht.
Reime, mein’ ich,
sind wie Pfeile?
Wie das zappelt,
zittert, springt,
Wenn der Pfeil in
edle Theile
Des
Lacerten-Leibchens dringt!
Ach, ihr sterbt dran,
arme Wichter,
Oder taumelt wie
bezecht!
– “Ja, mein Herr, Sie
sind ein Dichter”
Achselzuckt der Vogel
Specht.
Schiefe Sprüchlein
voller Eile,
Trunkne Wörtlein, wie
sich’s drängt!
Bis ihr Alle, Zeil’
an Zeile,
An der Tiktak-Kette
hängt.
Und es giebt grausam
Gelichter,
Das dies – freut?
Sind Dichter – schlecht?
– “Ja, mein Herr, Sie
sind ein Dichter”
Achselzuckt der Vogel
Specht.
Höhnst du, Vogel?
Willst du scherzen?
Steht’s mit meinem
Kopf schon schlimm,
Schlimmer stünd’s mit
meinem Herzen?
Fürchte, fürchte
meinen Grimm! –
Doch der Dichter –
Reime flicht er
Selbst im Grimm noch
schlecht und recht.
– “Ja, mein Herr, Sie
sind ein Dichter”
Achselzuckt der Vogel
Specht.
O poeta com os
pássaros
(Marc Chagall: pintor
franco-russo)
Vocação de Poeta
Ainda outro dia, na
sonolência
De escuras árvores,
eu sozinho,
Ouvi batendo, como em
cadência,
Um tique, um taque,
bem de mansinho...
Fiquei zangado,
fechei a cara –
Mas afinal me deixei
levar
E igual a um poeta,
que nem repara,
Em tique-taque me
ouvi falar.
E vendo o verso cair,
cadente,
Sílabas, upa,
saltando fora,
Tive que rir, rir, de
repente,
E ri por um bom
quarto de hora.
Tu, um poeta? Tu, um
poeta?
Tua cabeça está assim
tão mal?
– “Sim, meu senhor,
sois um poeta”,
E dá de ombros o
pica-pau.
Por quem espero aqui
nesta moita?
A quem espreito como
um ladrão?
Um dito? Imagem? Mas,
psiu! Afoita
Salta à garupa rima e
refrão.
Algo rasteja? Ou
pula? Já o espeta
Em verso o poeta,
justo e por igual.
– “Sim, meu senhor,
sois um poeta”,
E dá de ombros o
pica-pau.
Rimas, penso eu,
serão como dardos?
Que rebuliços, saltos
e sustos,
Se o dardo agudo vai
acertar dos
Pobres lagartos os
pontos justos.
Ai, ele morre à ponta
da seta
Ou cambaleia, o ébrio
animal!
– “Sim, meu senhor,
sois um poeta”,
E dá de ombros o
pica-pau.
Vesgo versinho, tão apressado,
Bêbada corre cada
palavrinha!
Até que tudo,
tiquetaqueado,
Caia na corrente,
linha após linha.
Existe laia tão cruel
e abjeta
Que isto ainda –
alegra? O poeta – é mau?
– “Sim, meu senhor,
sois um poeta”,
E dá de ombros o
pica-pau.
Tu zombas, ave?
Queres brincar?
Se está tão mal minha
cabeça,
Meu coração pior há
de estar?
Ai de ti, que minha
raiva cresça! –
Mas trança rimas,
sempre – o poeta,
Na raiva mesmo sempre
certo e mau.
– “Sim, meu senhor,
sois um poeta”,
E dá de ombros o pica-pau.
Referências:
Em Alemão
NIETZSCHE, Friedrich.
Gedichte. Mit einem nachwort herausgegeben von Jost Hermand. Stuttgart,
DE: Reclam, 1993. s. 65-67. (‘Universal-Bibliothek’; n. 7117)
Em Português
NIETZSCE, Friedrich.
Vocação de poeta. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. In: __________. Obras
incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun. Tradução e notas de Rubens
Rodrigues Torres Filho. Posfácio de Antônio Cândido. São Paulo, SP: Nova Cultural,
1999. p. 453-454.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário