Por intermédio de meia
dúzia de dísticos sentenciosos, o poeta francês dá início a um “Lembrete” em
quatro seções, um dos quais – nomeadamente o segundo – muito se assemelha à
derradeira proposição do “Tractatus Logico-Philosophicus”, de Wittgenstein
(1889-1951), a saber – “Sobre o que não se pode falar, deve-se calar” –, com a
distinção de que Deguy não sugere o silêncio do filósofo austríaco, mas o exercício
da escrita.
Tomada por si só a
seção, dela se depreendem os elementos à volta da iniciativa poética, da lírica
enquanto forma primordial de se apreender, por indução ou dedução, por paridade
e diferenciação, um mundo do qual, absolutamente, não há como se conhecer todos
os padrões; do poema enquanto ponte a conectar o perceptível ao semântico, o
visível ao verbal, o sensível ao inteligível.
J.A.R. – H.C.
Michel Deguy
(1930-2022)
Aide Mémoire
Ce qui a lieu d’être
Ne va pas sans dire
Ce qu’on ne peut pas
dire...
Il faut l’écrire
La partie donne sur
le tout
Qui donne la partie
Savoir à quoi ça
ressemble
C’est notre savoir –
non absolu
Il faut de la
semblance
Pour faire de la
contiguïté
Le poème est des
choses prochaines
Qu’il faut aller
chercher
Quando o silêncio
fala
(Sali Swalla: artista
norte-americana)
Lembrete
O que veio a ser
É preciso dizer
O que não pode ser
dito...
Deve ser escrito
A parte dá no todo
Que dá a parte
Saber com que se
parece
É nosso saber – não
absoluto
É preciso semelhança
Para se fazer contiguidade
O poema é coisa
próxima
Que é preciso ir
buscar
Referência:
DEGUY, Michel. Aide mémoire
/ Lembrete (primeira seção). Tradução de Paula Glenadel e Marcos Sisear. In:
__________. A rosa das línguas. Edição bilíngue: francês x português.
Organização e tradução de Paula Glenadel e Marcos Siscar. São Paulo, SP: Cosac
& Naify; Rio de Janeiro, RJ: Viveiros de Castro Editora, 2004. Em francês:
p. 156; em português: p. 157. (Coleção ‘Ás de colete’; v. 6)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário