Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Nelson Ascher - Meu coração

Em três quadras rimadas e metrificadas, Ascher joga com a comum associação que fazemos entre o sentimento de amor por alguém ou, talvez mais amplamente, pela humanidade, e o seu hipotético manancial – o coração –, pondo-se a confrontar espirituosamente o estado de constrição do órgão – sempre exposto a sofrer os efeitos danosos de uma alimentação regada a lipídios nem sempre saudáveis –, como se fora por excesso daquele ânimo de bem-querer.

 

Morrer de amor ou por falta de amor – melhor seria dizer “as carências da carne” – são os dois lados pelos quais vates e escritores invocam as “figuras líricas” que se relacionam aos bons e maus tratos deferidos ao coração, minorando, a rigor, o que, de fato, mais prejudica o seu desempenho, mote esse que, em última instância, induz o poeta a levantar uma hipótese de trabalho, direcionando-a à apreciação de seus pares: “o amor entope as coronárias?”

 

J.A.R. – H.C.

 

Nelson Ascher

(n. 1958)

 

Meu coração

 

Mein Herz, mein Herz ist träurig (*)

Heine

 

Se tenho um coração maior que

o mundo, por que seus ventrículos

fecham-se em pontos tão ridículos

quando oxigênio algum retorque

 

as carências da carne? À parte

isso, o lipídio sujo encarde o

sangue que irriga o miocárdio

por dentro até que o seu enfarte

 

maciço torne enfim as várias

figuras líricas, diletas

letais. Dizei-me, enfim, poetas:

o amor entope as coronárias?

 

Em: “Ponta da língua” (1983)

 

Vivo

(Heather Applegate: artista norte-americana)

 

Nota:

 

(*). “Meu coração, meu coração está triste”.

 

Referência:

 

ASCHER, Nelson. Meu coração. CULT: o mundo das palavras, da cultura e da literatura. Revista Brasileira de Literatura. São Paulo (SP), n. 1, p. 17, jul. 1997.

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