Em três quadras rimadas
e metrificadas, Ascher joga com a comum associação que fazemos entre o
sentimento de amor por alguém ou, talvez mais amplamente, pela humanidade, e o
seu hipotético manancial – o coração –, pondo-se a confrontar espirituosamente o
estado de constrição do órgão – sempre exposto a sofrer os efeitos danosos de
uma alimentação regada a lipídios nem sempre saudáveis –, como se fora por
excesso daquele ânimo de bem-querer.
Morrer de amor ou por
falta de amor – melhor seria dizer “as carências da carne” – são os dois lados
pelos quais vates e escritores invocam as “figuras líricas” que se relacionam
aos bons e maus tratos deferidos ao coração, minorando, a rigor, o que, de
fato, mais prejudica o seu desempenho, mote esse que, em última instância, induz
o poeta a levantar uma hipótese de trabalho, direcionando-a à apreciação de seus
pares: “o amor entope as coronárias?”
J.A.R. – H.C.
Nelson Ascher
(n. 1958)
Meu coração
Mein Herz, mein Herz
ist träurig (*)
Heine
Se tenho um coração
maior que
o mundo, por que seus
ventrículos
fecham-se em pontos
tão ridículos
quando oxigênio algum
retorque
as carências da
carne? À parte
isso, o lipídio sujo
encarde o
sangue que irriga o
miocárdio
por dentro até que o
seu enfarte
maciço torne enfim as
várias
figuras líricas,
diletas –
letais. Dizei-me,
enfim, poetas:
o amor entope as
coronárias?
Em: “Ponta da língua”
(1983)
Vivo
(Heather Applegate:
artista norte-americana)
Nota:
(*). “Meu coração, meu coração está triste”.
Referência:
ASCHER, Nelson. Meu
coração. CULT: o mundo das palavras, da cultura e da
literatura. Revista Brasileira de Literatura. São Paulo (SP), n. 1, p. 17, jul.
1997.
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