Construído sob a
forma tradicional de uma vilanela, o poema de Kowit aparenta ser, em primeira mirada,
uma lição singela de gramática da língua inglesa, a albergar, em seu fecho, uma
observação irônica do poeta sobre o “quase nada” que seriam as regras do inglês,
muito embora se saiba que o precitado idioma se estende a bem muito mais que
isso, tendo lá as suas dificuldades, como questões de ordem ortográfica, de
ênfase, de sinônimos não necessariamente intercambiáveis, de homofonias etc.
No poema, “lata de
beterrabas” espelha um claro sentido denotativo, muito embora se possa entender a
expressão como uma metáfora para o continente onde inclusos todos os regramentos da
sintaxe do idioma, ou ainda, as definições e as restrições da linguagem.
Quanto às “felpas lilases”, poderiam ser interpretadas como o elemento para além do puro tubérculo da
beterraba, fazendo-a expandir-se a partir de seus próprios limites, de suas
próprias regras. Afinal, quem já se dispôs a aprender o inglês, deve ter
observado que o aprendizado não é apenas uma questão de conhecer as suas
regras, senão também – e muito importante – uma questão de conhecer as suas
muitas exceções às regras!
J.A.R. – H.C.
Steve Kowit
(1938-2015)
The Grammar Lesson
A noun’s a thing. A
verb’s the thing it does.
An adjective is what
describes the noun.
In “The can of beets
is filled with purple fuzz”
of and with are
prepositions. The’s
an article, a can’s
a noun,
a noun’s a thing. A verb’s
the thing it does.
A can can roll – or
not. What isn’t was
or might be, might
meaning not yet known.
“Our can of beets is
filled with purple fuzz”
is present tense.
While words like our and us
are pronouns – i.e. it
is moldy, they are icky brown.
A noun’s a thing; a
verb’s the thing it does.
Is is a helping verb.
It helps because
filled isn’t a full verb. Can’s
what our owns
in “Our can of beets
is filled with purple fuzz.”
See? There’s almost
nothing to it. Just
memorize these
rules... or write them down!
A noun’s a thing; a
verb’s the thing it does.
The can of beets is
filled with purple fuzz.
Sala de aula:
professora e seus alunos
(Carlin Blahnik:
artista norte-americana)
A Lição de Gramática
Um substantivo é uma
coisa. Um verbo é aquilo que ele faz.
Um adjetivo é o que
descreve o substantivo.
Em “A lata de
beterrabas está tomada por felpas lilases”,
de e por são
preposições. A é um
artigo, Lata é
um substantivo,
Um substantivo é uma
coisa. Um verbo é aquilo que ele faz.
Uma lata pode rolar –
ou não. O que não é, foi
ou pode vir a ser, pode
a significar o que ainda não se conhece.
A frase “Nossa lata
de beterrabas está tomada por felpas lilases”
acha-se no presente
do indicativo. Enquanto palavras como
nosso e conosco
são pronomes
correntes, vós tornou-se caduco e elus é de
um pardo nauseante.
(*)
Um substantivo é uma
coisa; um verbo é aquilo que ele faz.
Está é um verbo auxiliar.
Ele oferece seus préstimos porque
tomada não é um verbo com
sentido pleno. Lata é o que
nosso possui
em “Nossa lata de
beterrabas está tomada por felpas lilases.”
Perceberam? Não há
quase nada nisso. Apenas
memorizem essas
regras... ou anotem-nas!
Um substantivo é uma
coisa; um verbo é aquilo que ele faz.
A lata de beterrabas
está tomada por felpas lilases.
Nota:
(*). Aqui há uma
certa liberdade na tradução, pois o verso, no original, alude a
particularidades do inglês, sem correspondências no português, a saber:
(i) “it” é um pronome
neutro do caso reto, para a terceira pessoa do singular, que se emprega para fazer
referência a animais, objetos, lugares, até mesmo a ideias e sentimentos;
(ii) “they”, idem, para
a terceira pessoa do plural, sem caracterização de gênero, ou seja, se “eles”
ou “elas”;
(iii) o emprego da
forma “elus” (ou “iles”), na tradução, procura tornar neutro o gênero no âmbito
da língua pátria, embora ainda não recepcionada pela gramática normativa do
português, tudo para criar um paralelo semântico com o “they” do idioma inglês;
(iv) consigne-se que
“elu”/“elus” (ou “ile”/“iles”) são pronomes neutros empregados contemporaneamente
a pessoas não-binárias, ou melhor, que não se sentem pertencentes,
exclusivamente, nem ao gênero masculino nem ao feminino.
Referência:
KOWIT, Steve. The
grammar lesson. In: COLLINS, Billy (Selection and Introduction). Poetry 180:
a turning back to poetry. An anthology of contemporary poems. New York, NY:
Random House Trade Paperbacks, 2003. p. 225.
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