Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Gottfried Benn - Construção da frase

O “céu, o amor e a tumba” são assuntos que estão na ordem do dia para todos os mortais, os poetas aí inclusos, mas o falante não se mostra disposto a se juntar à maioria, julgando mais urgente a questão de se levantar e pôr em discussão o tema da estrutura das sentenças, os motivos que nos levam à necessidade de nos expressar, de nos comunicar, ou mesmo de nos exprimir por meio da arte.

 

É à forma do poema (à semântica de sua sintaxe, ou melhor, à estrutura geral da frase), bem mais do que ao conteúdo dos versos, que Benn procura dar ênfase, porque, a seu ver, aquela levaria, de algum modo, a este: o poeta encerra o poema com uma inflexão irônica, dirigindo-se ao leitor de um modo nada amistoso, para ratificar a sua insipiência sobre a questão, por intermédio de um dito de Goethe.

 

Seja como for, fico a me perguntar: mas será mesmo que, na poesia, o mais importante é o elemento construtivo dos versos, sua forma, e não o seu conteúdo? Se um poema pouco ou nada diz para o leitor, não reverbera em seus fios internos, de que lhe vale manter uma obra no acervo só porque reluz em sua fachada, estando vazias ou esparsamente preenchidas as partições que a compõem?!

 

Será que há muito mais em que se deter sobre a arquitetura das sentenças, os motivos à volta da necessidade de nos comunicar, do que no vastíssimo e aberto universo no qual tudo se passa, a vida humana inclusive – não só circunscrita ao amor, à morte ou à eternidade, como aduz o autor?!

 

De mais a mais, a poesia é prima-irmã do Rei Midas, pois que facilmente atrai à sua mina aurífera o que quer que esteja no âmbito dos mundos tangível e intangível, real e irreal, natural e cultural, individual e coletivo – e assim por diante. Que se busque o aristotélico meio-termo: nem tanto ao mar nem tanto à terra!

 

Sob outra perspectiva, a questão – internauta – não se parece também, em certa medida, à da música popular contemporânea, mais preocupada com o ritmo e o balanço da melodia do que com a letra da composição?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Gottfried Benn

(1886-1956)

 

Satzbau

 

Alle haben den Himmel, die Liebe und das Grab,

damit wollen wir uns nicht befassen,

das ist für den Kulturkreis gesprochen und durchgearbeitet.

Was aber neu ist, ist die Frage nach dem Satzbau

und die ist dringend:

warum drücken wir etwas aus?

 

Warum reimen wir oder zeichnen ein Mädchen

direkt oder als Spiegelbild

oder stricheln auf eine Handbreit Büttenpapier

unzählige Pflanzen, Baumkronen, Mauern,

letztere als dicke Raupen mit Schildkrötenkopf

sich unheimlich niedrig hinziehend

in bestimmter Anordnung?

 

Überwältigend unbeantwortbar!

Honoraraussicht ist es nicht,

viele hungern darüber. Nein,

es ist ein Antrieb in der Hand,

ferngesteuert, eine Gehirnanlage,

vielleicht ein verspäteter Heilbringer oder Totemtier,

auf Kosten des Inhalts ein formaler Priapismus,

er wird vorübergehen,

aber heute ist der Satzbau

das Primäre.

 

“Die wenigen, die was davon erkannt” – (Goethe) –

wovon eigentlich?

Ich nehme an: vom Satzbau.

 

Jovem no jardim

(Mary S. Cassatt: pintora norte-americana)

 

Construção da frase

 

Todos possuem o céu, o amor e a tumba,

disso não nos queremos ocupar,

isto já foi para a gente culta discutido e repassado.

Mas o que é novo, é a questão da construção da frase

e ela é urgente:

por que exprimimos alguma coisa?

 

Por que rimamos ou desenhamos uma moça

direto ou como reflexo

ou traçamos sobre um palmo de papel manteiga

inúmeras plantas, copas de árvores, muralhas,

as últimas como gordas lagartas de cabeça de tartaruga

estendendo-se rentes temíveis

em ordenamento preciso?

 

Imponente sem resposta!

Não se trata de honorários,

muitos com isso morrem famintos. Não,

é um impulso na mão,

teleguiado, uma condição do cérebro,

talvez um salvador tardio ou animal totêmico,

um priapismo formal ao custo do conteúdo,

ele vai passar,

mas hoje a construção da frase

é o primordial.

 

“Os poucos que entenderam disto” – (Goethe) –

do que, efetivamente?

Eu suponho: da construção da frase.

 

Referência:

 

BENN, Gottfried. Satzbau / Construção da frase. Tradução de Italo Moriconi. Poesia sempre: revista semestral de poesia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de janeiro (RJ), ano 2, n. 4, ago. 1994. Em alemão: p. 48; em português: p. 49.

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