O “céu, o amor e a
tumba” são assuntos que estão na ordem do dia para todos os mortais, os poetas
aí inclusos, mas o falante não se mostra disposto a se juntar à maioria,
julgando mais urgente a questão de se levantar e pôr em discussão o tema da
estrutura das sentenças, os motivos que nos levam à necessidade de nos
expressar, de nos comunicar, ou mesmo de nos exprimir por meio da arte.
É à forma do poema (à
semântica de sua sintaxe, ou melhor, à estrutura geral da frase), bem mais do
que ao conteúdo dos versos, que Benn procura dar ênfase, porque, a seu ver,
aquela levaria, de algum modo, a este: o poeta encerra o poema com uma inflexão
irônica, dirigindo-se ao leitor de um modo nada amistoso, para ratificar a sua
insipiência sobre a questão, por intermédio de um dito de Goethe.
Seja como for, fico a
me perguntar: mas será mesmo que, na poesia, o mais importante é o elemento
construtivo dos versos, sua forma, e não o seu conteúdo? Se um poema pouco ou
nada diz para o leitor, não reverbera em seus fios internos, de que lhe vale
manter uma obra no acervo só porque reluz em sua fachada, estando vazias ou
esparsamente preenchidas as partições que a compõem?!
Será que há muito
mais em que se deter sobre a arquitetura das sentenças, os motivos à volta da necessidade
de nos comunicar, do que no vastíssimo e aberto universo no qual tudo se passa,
a vida humana inclusive – não só circunscrita ao amor, à morte ou à eternidade,
como aduz o autor?!
De mais a mais, a
poesia é prima-irmã do Rei Midas, pois que facilmente atrai à sua mina aurífera
o que quer que esteja no âmbito dos mundos tangível e intangível, real e irreal,
natural e cultural, individual e coletivo – e assim por diante. Que se busque o aristotélico meio-termo: nem tanto ao mar nem tanto à terra!
Sob outra
perspectiva, a questão – internauta – não se parece também, em certa medida, à
da música popular contemporânea, mais preocupada com o ritmo e o balanço da
melodia do que com a letra da composição?!
J.A.R. – H.C.
Gottfried Benn
(1886-1956)
Satzbau
Alle haben den
Himmel, die Liebe und das Grab,
damit wollen wir uns
nicht befassen,
das ist für den
Kulturkreis gesprochen und durchgearbeitet.
Was aber neu ist, ist
die Frage nach dem Satzbau
und die ist dringend:
warum drücken wir
etwas aus?
Warum reimen wir oder
zeichnen ein Mädchen
direkt oder als
Spiegelbild
oder stricheln auf
eine Handbreit Büttenpapier
unzählige Pflanzen,
Baumkronen, Mauern,
letztere als dicke
Raupen mit Schildkrötenkopf
sich unheimlich
niedrig hinziehend
in bestimmter
Anordnung?
Überwältigend
unbeantwortbar!
Honoraraussicht ist
es nicht,
viele hungern darüber.
Nein,
es ist ein Antrieb in
der Hand,
ferngesteuert, eine
Gehirnanlage,
vielleicht ein
verspäteter Heilbringer oder Totemtier,
auf Kosten des
Inhalts ein formaler Priapismus,
er wird vorübergehen,
aber heute ist der
Satzbau
das Primäre.
“Die wenigen, die was
davon erkannt” – (Goethe) –
wovon eigentlich?
Ich nehme an: vom
Satzbau.
Jovem no jardim
(Mary S. Cassatt:
pintora norte-americana)
Construção da frase
Todos possuem o céu,
o amor e a tumba,
disso não nos
queremos ocupar,
isto já foi para a
gente culta discutido e repassado.
Mas o que é novo, é a
questão da construção da frase
e ela é urgente:
por que exprimimos
alguma coisa?
Por que rimamos ou
desenhamos uma moça
direto ou como
reflexo
ou traçamos sobre um
palmo de papel manteiga
inúmeras plantas,
copas de árvores, muralhas,
as últimas como
gordas lagartas de cabeça de tartaruga
estendendo-se rentes
temíveis
em ordenamento
preciso?
Imponente sem
resposta!
Não se trata de
honorários,
muitos com isso
morrem famintos. Não,
é um impulso na mão,
teleguiado, uma
condição do cérebro,
talvez um salvador
tardio ou animal totêmico,
um priapismo formal
ao custo do conteúdo,
ele vai passar,
mas hoje a construção
da frase
é o primordial.
“Os poucos que
entenderam disto” – (Goethe) –
do que, efetivamente?
Eu suponho: da
construção da frase.
Referência:
BENN, Gottfried. Satzbau
/ Construção da frase. Tradução de Italo Moriconi. Poesia sempre:
revista semestral de poesia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de janeiro (RJ),
ano 2, n. 4, ago. 1994. Em alemão: p. 48; em português: p. 49.
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