Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 1 de março de 2024

T. S. Eliot - Míster Mistófelis

A compor a obra “Old Possum’s Book of Practical Cats”, algo como “O Livro dos Gatos Práticos do Velho Gambá”, de 1939 (um aparte: “Velho Gambá” era o cognome de Eliot), esta versão ao português de Ivo Barroso para o poema “Mr. Mistoffelees” assume algumas liberdades tradutórias em relação ao texto original, muito embora mantenha a disposição gráfica dos versos sobre a página.

 

O bichano “Mefisto-Félix”, um pequeno e furtivo gato preto, tem poderes de prestidigitação, capaz de ilusionismos somente observáveis em peripécias de grandes mágicos: se o seu nome nos leva a associá-lo a Mefistófeles – um demônio na lenda de “Fausto” –, é melhor nos precavermos, porque ele sempre nos faz acreditar que “passa a vida caçando ratos”.

 

Aliás, a combinação “Mefisto-Félix” exibe uma solução feliz do tradutor para o nome do felino, pois agrega ainda o designativo “Félix”, uma personagem de desenho animado, negro com os olhos brancos, que em sua fase avançada foi dotado por seus animadores – ora ora – com uma “bolsa mágica de truques”, tão em sintonia com a caracterização original de Eliot para o figurante.

 

J.A.R. – H.C.

 

T. S. Eliot

(1888-1965)

 

Mr. Mistoffelees

 

You ought to know Mr. Mistoffelees!

The Original Conjuring Cat –

(There can be no doubt about that).

Please listen to me and don’t scoff. All his

Inventions are off his own bat.

There’s no such Cat in the metropolis;

He holds all the patent monopolies

For performing surprising illusions

And creating eccentric confusions.

At prestidigitation

And at legerdemain

He’ll defy examination

And deceive you again.

The greatest magicians have something to learn

From Mr. Mistoffelees’ Conjuring Turn.

Presto!

Away we go!

And we all say: OH!

Well I never!

Was there ever

A Cat so clever

As Magical Mr. Mistoffelees!

 

He is quiet and small, he is black

From his ears to the tip of his tail;

He can creep through the tiniest crack

He can walk on the narrowest rail.

He can pick any card from a pack,

He is equally cunning with dice;

He is always deceiving you into believing

That he’s only hunting for mice.

He can play any trick with a cork

Or a spoon and a bit of fish-paste;

If you look for a knife or a fork

And you think it is merely misplaced –

You have seen it one moment, and then it is gawn!

But you’ll find it next week lying out on the lawn.

And we all say: OH!

Well I never!

Was there ever

A Cat so clever

As Magical Mr. Mistoffelees!

 

His manner is vague and aloof,

You would think there was nobody shyer –

But his voice has been heard on the roof

When he was curled up the fire.

And he’s sometimes been heard by the fire

When he was about on the roof –

(At least we all heard somebody who purred)

Which is incontestable proof

Of his singular magical powers:

And I have known the family to call

Him in from the garden for hours,

While he was asleep in the hall.

And not long ago this phenomenal Cat

Produced seven kittens right out of a hat!

And we all say: OH!

Well I never!

Was there ever

A Cat so clever

As Magical Mr. Mistoffelees!

 

O gatinho cinzento

(Michael Gutkin: pintor norte-americano)

 

Míster Mistófelis

 

Precisas conhecer Míster Mistófelis!

Um misto de Felino e de Mefisto –

(Dúvida alguma sobre sobre isto!)

Que zombem, mas não posso numa estrofe lhes

Dizer o que dele tenho visto.

Informa-se em alquímicos in-fólios,

Tem todas as patentes, monopólios

Para exercer performances e truques

Que herdou de condes, dráculas e duques.

Na prestidigitação

E nos passes que realiza,

Ilude qualquer pesquisa

E cria nova ilusão.

Os mágicos do mundo inteiro estimam-no

Por ser de todos o maior prestímano.

Um, dois e três!

E era uma vez!

Vejam vocês!

Digo e estou certo:

Ninguém decerto

Chegou nem perto

Do Gato Mago Mefisto-Félix!

 

Ele é pequeno e quieto, a cor é preta

Desde a ponta da orelha ao rabo esguio;

Esgueira-se na mais estreita greta

E se equilibra no mais frágil fio.

A carta que quiser, fácil afana

E é destro em dados, varas de adivinhos;

Ele sempre te engana que tem gana

De andar à caça apenas de “peixinhos”.

Tira tudo do estofo da casaca,

Faz milagres com a caixa-de-surpresa;

Se um garfo lá se foi ou falta a faca,

E achas que te enganaste ao pôr a mesa –

O talher que inda há pouco evaporou-se

Surge num fosso como se osso fosse!

Vejam vocês!

Pois estou certo

Que ele é decerto

O mais desperto

O gato mago Mefisto-Félix!

 

Mostra um ar vagamente alienado

Quando a sua modéstia está em jogo...

Mas sua voz ouviu-se do telhado

Quando foi chamuscado pelo fogo.

E ouvimo-lo também ao pé do fogo

Quando ele faz das suas no telhado...

(Pelo menos na poltrona sabemos que ronrona)

Eis aqui o atestado detalhado

De seu poder de mágico inconteste:

Certa vez a família em peso abala

A buscar no jardim inteiro o peste

Enquanto ele dormia em plena sala.

E fez agora aparecer, frajola,

Sete gatinhos dentro da cartola!

Vejam vocês!

Não estou certo?

Não há decerto

Um mais esperto

Que o Gato Mago Mefisto-Félix!

 

Referência:

 

ELIOT, T. S. Mr. Mistoffelees / Míster Mistófelis. Tradução de Ivo Barroso. In: BARROSO, Ivo (Seleção, Tradução e Organização). O torso e o gato: o melhor da poesia universal. Prefácio de Antonio Houaiss. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em inglês: p. 152, 154 e 156; em português: p. 153, 155 e 157.

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