Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 3 de março de 2024

José Régio - Sabedoria

Já em plena maturidade, o poeta vivencia o despojamento de quaisquer vãs esperanças com as quais na juventude se alentava, o querer agora não mais com aquele sentido de posse, senão como um desfastio à mercê do que se passa a cada momento, fazendo da percepção a forma prevalecente de apreensão do mundo tangível.

 

É como se o passado, entregue a aspirações materiais, já estivesse a ocupar a maior parte do cone inferior de uma ampulheta, aditando assim, daqui por diante, suficiente espaço para zelos bem diversos, quiçá de ordem espiritual. Ao fundo, as estrelas continuam a brilhar “altas e belas”, absolutamente indiferentes a quaisquer desassossegos humanos!

 

J.A.R. – H.C.

 

José Régio

(1901-1969)

 

Sabedoria

 

Desde que tudo me cansa,

Comecei eu a viver.

Comecei a viver sem esperança...

E venha a morte quando Deus quiser.

 

Dantes, ou muito ou pouco,

Sempre esperara:

Às vezes, tanto, que o meu sonho louco

Voava das estrelas à mais rara;

Outras, tão pouco,

Que ninguém mais com tal se conformara.

 

Hoje, é que nada espero.

Para quê, esperar?

Sei que já nada é meu senão se o não tiver;

Se quero, é só enquanto apenas quero;

Só de longe, e secreto, é que inda posso amar...

E venha a morte quando Deus quiser.

 

Mas, com isto, que têm as estrelas?

Continuam brilhando, altas e belas.

 

Em: “A Chaga do Lado” (1954)

 

Noturno em negro e dourado:

a queda dos fogos de artifício

(James M. Whistler: pintor norte-americano)

 

Referência:

 

RÉGIO, José. Sabedoria. In: NEJAR, Carlos (Org.). Antologia da poesia portuguesa contemporânea: a partir de Vitorino Nemésio. São Paulo, SP: Massao Ohno & Roswitha Kempf Eds., 1982. p. 42-43.

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