Já em plena
maturidade, o poeta vivencia o despojamento de quaisquer vãs esperanças com as
quais na juventude se alentava, o querer agora não mais com aquele sentido de
posse, senão como um desfastio à mercê do que se passa a cada momento, fazendo
da percepção a forma prevalecente de apreensão do mundo tangível.
É como se o passado,
entregue a aspirações materiais, já estivesse a ocupar a maior parte do cone
inferior de uma ampulheta, aditando assim, daqui por diante, suficiente espaço
para zelos bem diversos, quiçá de ordem espiritual. Ao fundo, as estrelas
continuam a brilhar “altas e belas”, absolutamente indiferentes a quaisquer
desassossegos humanos!
J.A.R. – H.C.
José Régio
(1901-1969)
Sabedoria
Desde que tudo me
cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem
esperança...
E venha a morte
quando Deus quiser.
Dantes, ou muito ou
pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que
o meu sonho louco
Voava das estrelas à
mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com
tal se conformara.
Hoje, é que nada
espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu
senão se o não tiver;
Se quero, é só
enquanto apenas quero;
Só de longe, e
secreto, é que inda posso amar...
E venha a morte
quando Deus quiser.
Mas, com isto, que
têm as estrelas?
Continuam brilhando,
altas e belas.
Em: “A Chaga do Lado”
(1954)
Noturno em negro e
dourado:
a queda dos fogos de
artifício
(James M. Whistler:
pintor norte-americano)
Referência:
RÉGIO, José.
Sabedoria. In: NEJAR, Carlos (Org.). Antologia da poesia portuguesa
contemporânea: a partir de Vitorino Nemésio. São Paulo, SP: Massao Ohno
& Roswitha Kempf Eds., 1982. p. 42-43.
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